RELATO DE UMA BRUXA…QUÉ É TRANSEXUAL
publicado primeiramente em Matricaria Ecologia Feminina
Nasci, segundo me contaram, numa contraditória tempestade de primavera, daquelas rápidas e superficiais. Penso que já comecei como uma pequena contradição, efeito que foi se estendendo em tudo o que fazia…
Não sou boa em textos técnicos porque sempre ao falar o que penso nunca me expresso dessa forma técnica, não sou especialista, e sim uma apaixonada pela Deusa.
A forma como cheguei até Ela foi interessante, lembro me de ter procurado minha mãe louca para saber o significado da palavra oráculo, e assim em meio a outras coisas cheguei até a expressão Grande Mãe…Lembro me de ter ficado muito impactada, nessa altura eu tinha 14 anos, de ter visto o termo. Imediatamente veio na minha mente a imagem de um lindo olhar feminino sobre o céu e uma grande extensão da terra. Tive a nítida sensação de conhecer a Grande Mãe embora, a esta altura, de nada soubesse. Foi mais ou menos aí que comecei minha busca pela Deusa e que até hoje prossegue. Foi também uma época de paixão e êxtase pra mim, porque eu que nasci biologicamente num corpo masculino, havia achado algo que significava minha feminilidade que desde cedo era parte de mim.
Sempre fui diferente até entre os “diferentes”. Nunca me vi como gay e ao me deparar com a Deusa e os perfis dos caminhos femininos pude então entender porque estava tão transtornada. Compreendi, então, o desejo de infância de ser e uma mulher e que havia trancado dentro do meu ser por anos. Sem que nada me fosse dito senti que a Deusa chamava por mim de modo doce e mesmo de modo obscuro também. Pra mim, no meu caso específico, eu via o Feminino de uma mulher que é transexual como uma força transgressora e nas Deusas Negras (algumas como a Medusa apresentadas com traços andróginos ou Cibele que foi retratada como um ser tão perigoso que teve de ser castrado) um arquétipo de força, independência e auto suficiência emocional. Não apenas em Deusas Negras e também em representantes da Soberania (Hera, Juno, Ísis entre outras), em que eu buscava e encontrava forças.
Antes de o patriarcado dividir o mundo em lados, claro e obscuro, homem e mulher, tudo fazia parte do corpo cósmico e telúrico da Grande Deusa. Passou muito tempo até aceitar certos aspectos de mim e da minha personalidade, porque eu era diferente e creio que seria assim mesmo se fosse uma mulher cis. Por isso mesmo não sei se posso falar em nome de todas as mulheres que são transexuais. Inclusive porque sempre vi um certo mal jeito de como o termo é utilizado mesmo entre mulheres que são transexuais. Porque faz politica e psicologicamente uma diferença incrível entre se descrever como uma transexual, uma mulher transexual e uma mulher que é transexual. No primeiro caso o termo traz um incrível confusão porque pode se tratar de qualquer gênero de pessoa, e tem sutilmente uma certa dose de preconceito. Ao nos referimos a uma mulher como mulher transexual estamos ressaltando que ela não é uma mulher comum, e que a transexualidade não é uma característica física secundaria, como seria no caso de uma mulher cadeirante (que não é uma cadeirante nem uma mulher cadeirante de fato, porque enquanto mulher isso não a define. Conheça uma mulher assim e você até esquecerá das cadeiras de rodas) e estamos alertando que ela é diferente e definida segundo seu corpo físico. Será que esse é um tratamento justo a uma mulher? Será que não é uma forma sutil de dizer que ela não é uma mulher comum e assim sendo deverá receber um tratamento diferente?
Nenhuma mulher que é transexual faz alterações na sua vida (relações, corpo físico, emprego e por aí vai…) apenas para se tornar uma “mulher transexual”, “uma anomalia a ser tratada com grande desconfiança”… Assim como a transexualidade não pode definir o caráter, nem ser uma forma de se dirigir a uma mulher especificamente. Eu, como mulher, encaro o fato de ser uma mulher que é transexual ( uma mulher que nasceu num corpo masculino) com muita naturalidade, tal como encararia ser asiática ou portadora de alguma limitação física, porque a grosso modo, e aos níveis que realmente interessam a mim e a Grande Deusa, eu sou uma mulher que busca sua plenitude. Buscando porque pra mim plenitude completa é ter a integridade de se reconhecer uma eterna peregrina no caminho da Grande Deusa. Lembro que durante muitos anos, a página a A Alta Sacerdotisa foi um ensaio do tipo de mulher que deveria ser e que queria me tornar. Hoje em dia sinto que estou mais próxima disso, tendo meu Coven onde tenho, com muito amor e orgulho, atuado como sacerdotisa entre pessoas que me reconhecem como tal e tendo iniciado meu caminho dentro da Bruxaria em cursos pagos no Rio de Janeiro, eu saí da internet zona de conforto e fui pro mundo.
Minha transição tem sido lenta e calma assim como deve ser. Mas não é fácil lidar mesmo com o meio pagão e não perceber um certo preconceito. Havia já ouvido que a energia física de uma pessoa é o que a definia e que qualquer loucura como “transexuais” é coisa da mente humana. Assim sendo pessoas que nasceram biologicamente em corpos masculinos são solares e pessoas nascidas em femininos são necessariamente lunares. Acredito que para algumas pessoas o conceito generalizado pode ser útil, mas nada, nem mesmo na natureza, é definitivo.
Antes de o patriarcado dividir o mundo em lados, claro e obscuro, homem e mulher, tudo fazia parte do corpo cósmico e telúrico da Grande Deusa. Sendo assim, esse e muitos outros conceitos nascidos no ocultismo da Idade Média são mais válidos a quem tem como guia as formas de espiritualidade baseados na magia ceremonial. O que não é o meu caso, como mulher e como bruxa, sou enérgica e vital como a Terra, que por vezes foi vista como fêmea e outras como macho. Pra mim a feminilidade da mulher que é transexual é ligada ao mundo secreto da Lua Interior, o mundo da lua e do inconsciente. Não o fluir do sangue da vida, que muito singelo e belo entre a maioria das mulheres, mas no lado oculto da Lua. No seu lado secreto. Uma mulher que é transexual tem a feminilidade mais improvável em seu peito. Assim como a Lua Negra ela é secreta e seus frutos só podem ser colhidos por aqueles que vêem além do corpo físico e do lado brilhante da Senhora da Lua Cheia. Uma mulher que é transexual tem que ouvir a voz da sua própria alma, sua Lua Interior. Uma mulher que é transexual tem que ouvir os segredos de seu coração e da sua alma no mais absoluto silêncio. O mais absoluto silêncio, exige uma aceitação da escuridão, pois só passando por ela, como a Deusa Hécate ou o Eremita do Tarot, podemos chegar a compreensão.
Texto Colaboração:
Gaia Lil nasceu 19 de setembro de 1993, tendo desde os 14 anos, buscado informações referentes a Deusa, ao sagrado feminino e a mulher. Em 2008 criou a página “A Alta Sacerdotisa” (hoje Sagrado Feminino) aonde partilhava suas pesquisas e informações sobre a mulher e o feminino em vários níveis. Pouco depois se assumiu para seus leitores transexual e recebendo algum apoio continuou sua página com poesias, arquétipos e mitos referentes ao Feminino Profundo. Atualmente é uma pesquisadora de bruxaria natural, trabalha com tradições ítalo romanas de reconstrucionismo e Stregoneria num coven aonde atua como sacerdotisa. Estuda bruxaria e vive com a família. Devota de Hécate, Diana e Juno.
Blog da Gaia Lil: http://sagrado-feminino.blogspot.com.br/