DA SACERDOTISA:
Esta historia incrivelmente sensível deve ser lida por todas nos mulheres selvagens e renegadas,nela encontrei muito de mim mesma e muito de como minha família me trata e de certo modo encontrei um certa dose de esperança.
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O PATINHO FEIO
A procura da nossa turma: a sensação da integração como uma bênção. A descoberta daquilo a que pertencemos.
"Trata-se de uma história básica em termos psicológicos e espirituais. Uma história básica é aquela que contém uma verdade tão fundamental para o desenvolvimento humano que, sem a incorporação desse fato, o avanço se torna duvidoso e ninguém consegue prosperar sob aspecto psicológico enquanto não perceber essa verdade."
Já estava quase na época da colheita. As velhas faziam bonecas verdes com a palha do milho. Os velhos remendavam cobertores. As moças bordavam flores de um vermelho vivo nos seus vestidos brancos. Os rapazes cantavam enquanto empilhavam o feno dourado. As mulheres tricotavam blusões ásperos para o inverno que viria. Os homens ajudavam a colher, arrancar, cortar e ceifar os frutos que os campos haviam produzido. O vento apenas começava a soltar as folhas um pouco mais, e mais um pouco a cada dia que passava. E lá para os lados do rio, uma pata chocava uma ninhada de ovos.
Tudo estava indo como deveria para essa mãe pata e, afinal, um a um, os ovos começaram a tremer e sacudir até que as cascas racharam e deles saíram cambaleantes seus novos filhotes. Restava, porém, um ovo, um ovo muito grande. Ele estava ali parado como uma pedra.
Uma velha pata veio visitar, e a mãe pata exibiu seus filhotes.
- Eles não são lindos? - gabou-se ela. Mas o ovo ainda sem rachar chamou a atenção da velha pata, e esta tentou dissuadir a mãe de continuar a chocar aquele ovo.
- É um ovo de peru - exclamou a velha pata - Absolutamente não serve como ovo. Não se pode levar um peru para dentro d'água, você sabia? - Ela sabia, porque já havia tentado.
A mãe pata, no entanto, achou que estava chocando há tanto tempo que mais um pouquinho não ia fazer mal.
- Não estou preocupada com isso - disse ela. - Mas você sabia que o safado do pai desses patinhos ainda não veio me visitar uma vez sequer?
Afinal, o ovo grande começou a estremecer e a rolar. Acabou quebrando, e dele saiu uma criatura grande e desajeitada. Sua pele era marcada por veias sinuosas azuis e vermelhas. Seus pés eram de um roxo claro. Seus olhos, de um rosa transparente.
A mãe pata inclinou a cabeça, esticou o pescoço e o contemplou. Não pôde se conter: ele era feio mesmo. "Talvez seja mesmo um peru", preocupou-se ela. Contudo, quando o patinho feio entrou na água acompanhando os outros filhotes, a mãe pata viu que ele nadava muito bem. "É, ele é dos meus, apesar de ter essa aparência tão estranha. No fundo, porém, do ângulo certo... ele é quase bonito."
E assim ela o apresentou às outras criaturas do quintal da fazenda, mas, antes que percebesse, outro pato atravessou o quintal a toda e bicou o patinho feio bem no pescoço.
- Pare com isso! - gritou a mãe pata.
- Ora, ele é tão feio e esquisito. Ele precisa que o maltratem - retrucou o valentão.
- Oh, mais uma ninhada! Como se já não tivéssemos bocas demais a alimentar! - exclamou a pata rainha com o trapo vermelho na perna - E aquele lá, aquele grandão e feio. Bem, aquilo sem dúvida é um engano.
- Ele não é um engano - disse a mãe pata. - Ele vai ser muito forte. Foi só que ele ficou tempo demais dentro do ovo e ainda está meio deformado. Mas ele vai se recuperar. Vocês vão ver. - Ele limpou com o bico as penas do patinho feio e lambeu seu topete.
Os outros, no entanto, faziam o que podiam para importunar o patinho feio. Voavam para atacá-lo, bicavam-no e gritavam com ele. E à medida que o tempo passava, eles o atormentavam cada vez mais. Ele se escondia, se desviava, saía em ziguezague, mas não conseguia escapar. O patinho era a mais infeliz das criaturas.
A princípio, sua mãe o defendia, mas com o tempo até ela cansou daquilo tudo.
- Como eu queria que você fosse embora - exclamou exasperada. E foi assim que o patinho feio fugiu. Com a maior parte das suas penas arrancada e todo enlameado, ele correu e correu até chegar num pântano. Ali ele se deitou à beira d'água com o pescoço esticado e sorvia um pouco d'água de vez em quando.
Dos juncos dois gansos o observavam. Eram jovens e cheios de si.
- Ei, você aí, criatura horrorosa - disseram, rindo à socapa. - Quer vir conosco até o próximo condado? Há um bando de gansas solteiras por lá, prontas para serem escolhidas.
De repente ecoaram tiros. Os gansos caíram com um baque e a água do pântano ficou vermelha com seu sangue. O patinho feio mergulhou para se abrigar, e por toda a parte só havia tiros, fumaça e cães latindo.
Afinal, o pântano ficou tranquilo, e o patinho saiu correndo e voando a maior distância possível. Perto do anoitecer, ele chegou a um pobre casebre. A porta estava pendurada de um barbante, e havia mais fendas do que paredes. Ali vivia uma velha esfarrapada com seu gato desgrenhado e sua galinha vesga. O gato fazia jus a morar com a velha por apanhar camundongos. A galinha, por botar ovos.
A velha achou que estava com sorte por ter encontrado um pato. Talvez fosse uma pata e também botasse ovo sem se não fosse, podemos matá-lo para comer. E assim o pato ficou, mas ele era perseguido pelo gato e pela galinha.
- Para que você serve se não bota ovos e não sabe apanhar camundongos? - perguntavam-lhe os dois.
- O que mais gosto de fazer - disse o patinho com um suspiro - é ficar "debaixo", quer seja debaixo da amplidão azul do céu, quer debaixo do frescor azul da água. - O gato não via nenhum sentido em querer ficar debaixo d'água e criticou o patinho pelos seus sonhos idiotas. A galinha não conseguia ver a graça de ficar com as penas molhadas e também debochou do patinho. No final das contas, ficou claro que aqui também não haveria paz para o patinho, e por isso ele partiu para ver se as coisas podiam ser melhores mais adiante.
Ele encontrou por acaso um laguinho e, enquanto estava nadando, foi ficando cada vez mais frio. Um bando de aves passou voando lá em cima, as mais lindas que ele já havia visto. Elas gritaram para cumprimentá-lo, e ouvir suas vozes fez com que o coração do patinho saltasse e se apertasse ao mesmo tempo. Ele gritou de volta com uma voz que nunca havia emitido antes. Ele havia visto criaturas mais lindas, e nunca havia se sentido mais desolado.
Ele gritou e gritou na água para observá-las enquanto desapareciam nos céus e depois mergulhou até o fundo do lado e se aninhou trêmulo. Estava fora de si por sentir um amor desesperançado por aqueles enormes pássaros brancos, um amor que ele não conseguia entender.
Um vento mais frio começou a soprar e foi ficando cada vez mais forte com o passar dos dias. E a neve caiu sobre o gelo. Os velhos quebravam o gelo nos baldes de leite, e as velhas fiavam até tarde da noite. As mães alimentavam três bocas de cada vez à luz de velas, e os homens saíam à procura de ovelhas sob o céu branco da meia-noite. Os jovens entravam na neve até a cintura para ir ordenhar, e as moças imaginavam ver o rosto de rapazes bonitos nas chamas do fogão enquanto cozinhavam. E no lago ali por perto, o patinho precisava nadar casa vez mais rápido em círculos para manter um lugar aberto no gelo.
Um dia de manhã, o patinho se descobriu preso no gelo e foi aí que ele sentiu que ia morrer. Dois patos selvagens vieram voando e chegaram escorregando no gelo. Eles observam o patinho.
- Como você é feio - Grasnaram - Que pena. É uma tristeza. Não se pode fazer nada por alguém como você. - E saíram voando.
Felizmente, um lavrador passou por ali e libertou o patinho quebrando o gelo com seu cajado. Ele levantou o patinho, abrigou-o no casaco e voltou para casa. Na casa do lavrador, as crianças quiseram pegar o patinho, mas ele teve medo. Voou até os caibros do telhado, fazendo com que toda a poeira caísse na manteiga. De lá de cima, ele mergulhou direto para dentro do balde de leite e, enquato ia saindo todo molhado e grudento, caiu no barril com uma vassoura enquanto as crianças riam a mais não poder.
O patinho saiu agitado pela porta do gato e, lá fora afinal, caiu quase morto na neve. Dali, ele se forçou a prosseguir até chegar a mais um lago, a mais uma casa, a outro lago, a outra casa, e o inverno inteiro transcorreu dessa forma, alternando entre a vida e a morte.
Mesmo assim, a brisa suave da primavera voltou. As velhas vieram arejar os acolchoados, e os velhos guardaram suas ceroulas compridas. Novos bebês chegavam no meio da noite, enquanto seus pais andavam de um lado para outro no quintal, debaixo do ceú estrelado. Durante o dia, as moças enfiavam narcisos nos cabelos, e os rapazes examinavam os tornozelos femininos. E num lago por ali, a àgua ficou mais agradável e o patinho feio que nela boiava abriu as asas.
Como eram grandes e fortes as suas asas. Elas o levaram bem para o alto acima da terra. Dos céus, ele via os pomares com seus mantos brancos, os lavradores arando, os jovens de toda a natureza saindo da casca, tropeçando, zumbindo e nadando. Também brincando na água do lago havia visto três cisnes, as mesmas criaturas maravilhosas que ele havia visto no outono; aquelas que lhe haviam causando um aperto tão forte no coração. Ele sentiu um impulso de se unir a elas.
E se fingissem que gostam de mim, e depois, assim que eu me aproximar, saírem voando às risadas? pensou o patinho. Ele desceu planando o pousou no lago, com o coração batendo forte.
Assim que o viram, os cisnes começaram a nadar na sua direção. Sem dúvida, estou a ponto de encontrar meu fim, pensou o patinho, mas, se tenho de ser morto, melhor que seja por essas lindas criaturas do que pela mão de caçadores, donas-de-casa ou longos invernos. E abaixou a cabeça para aguardar os golpes.
Que surpresa! Na imagem na água ele viu um cisne em traje a rigor: plumagem branca como a neve, olhos escuros e tudo mais. O patinho feio a princípio não se reconheceu porque era exatamente igual aos belos estranhos, igual àqueles que ele havia admirado de longe.
E acabou se revelando que ele era um deles no final das contas. Seu ovo por acaso havia rolado para um ninho de patos. Ele era um cisne, um cisne magnífico. E pela primeira vez sua própria família se aproximava dele, tocando-o com cuidado e carinho com as pontas das asas. Eles lhe limparam as penas com seus bicos e nadaram muito ao seu redor para cumprimentá-lo.
- Ei, tem mais um cisne! - gritaram as crianças que vinham trazer migalhas de pão para os cisnes. Como costumavam fazer as crianças de qualquer lugar, elas correram para contar a todos. As velhas vieram até a beira d'água, destrançando seus longos cabelos prateados. Os rapazes juntaram nas mãos em taça um pouco de água limpa e a atiravam na direção das moças, que enrubeciam como pétalas. Os homens tiraram uma folga da ordenha só para tomar um pouco daquele ar. As mulheres pararam um pouco de remendar só para rir com seus parceiros. E os velhos começaram a contar histórias sobre como a guerra é longa e a vida é curta.
E um a um, fosse pela vida, pela paixão, fosse porque o tempo estava passando, todos se afastaram dançando. Os rapazes, as moças, todos foram embora dançando. Os mais velhos, os maridos, as esposas, todos foram embora dançando. As crianças e os cisnes também se afastaram dançando... deixando alí só nós... a primavera... e mais uma mãe pata chocando seus ovos junto ao rio.
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"'O patinho feio' tem muitas versões, todas contendo o mesmo número de significados; mas cada uma, cercada de diferentes enfeites e franjas que refletem o meio cultural da história bem como o talento poético de cada narrador.
Os significados básicos que nos interessam são os seguintes: o patinho da história simboliza a natureza selvagem, que, quando forçada a enfrentar circunstâncias pouco propícias, luta instintivamente para continuar viva apesar de tudo. A natureza selvagem sabe instintivamente agüentar e resistir, às vezes com elegância, às vezes sem muito estilo, mas resistindo assim mesmo. Graças a Deus por esse aspecto. Para a mulher selvagem, a continuidade é uma das suas maiores forças.
Outro aspecto importante da história é o que, quando a vibração específica da alma de um indivíduo, que tem tanto uma identidade instintiva quanto uma espiritual, é cercada de aceitação e reconhecimento psíquico, a pessoa sente a vida e a força como nunca sentiu antes. Descobrir com certeza qual é a sua verdadeira família psíquica proporciona ao indivíduo a vitalidade e a sensação de pertencer a um todo."
A rejeição à criança diferente
"As meninas que demosntram ter uma forte natureza instintiva muitas vezes passam por sofrimentos significativos no início da vida. Desde a época em que são bebês, são mantidas presas, domesticadas, e ouvem dizer que são inconscientes ou teimosas. Suas naturezas selvagens revelam-se bem cedo. Elas são curiosas, habilidosas e possuem excentricidades leves de vários tipos, características estas que, se desenvolvidas, constituiriam a base para sua criatividade para o resto das suas vidas. Considerando-se que a vida criativa é o alimento e a água para a alma, esse desenvolvimento básico é de importância dolorosamente crítica.
Geralmente, o isolamento precoce começa sem que seja por nenhuma culpa da criança e é exacerbado pela incompreensão, pela crueldade da ignorância ou pela perversidade proposital dos outros. Nesse caso, o self básico da psique é ferido desde cedo. Quando isso acontece, a menina começa a acreditar que as imagens negativas dela mesma, referida pela família e pela cultura em que vive, são não só verdadeiras mas também totalmente isentas de preconceito, de influência da opinião e de preferências pessoais. A menina começa a acreditar que ela é fraca, feia, inaceitável, e que isso continuará a ser verdade não importa o esforço que ela faça para reverter a situação.
A menina é rejeitada pelos mesmos motivos que vemos na história do patinho feio. Em muitas culturas, existe uma expectativa, quando nasce uma filha, de que ela é ou será um certo tipo de pessoa, que aja de um certo modo consagrado pelo tempo, que siga um certo conjunto de valores que, se não forem idênticos aos da família, pelo menos se baseiem nos valores da família, e que seja como for não abale os alicerces. Essas expectativas têm definições muito estritas quando um dos pais, ou ambos, sofre do desejo de ter um 'anjo de filha', a criança 'perfeita' e obediente."
"Nem a criança, nem sua psique, podem, aceitar essa situação. A pressão no sentido de se 'adequar', seja qual for a definição que a autoridade dê ao padrão, pode perseguir a criança até que ela fuja para longe, para um mundo oculto ou para vaguear muito tempo à procura de um lugar para se abrigar e viver em paz.
Quando a cultura define detalhadamente no que consiste o sucesso ou a perfeição desejável sob qualquer aspecto - na aparência, na altura, na força, na forma física, no poder aquisitivo, na economia, na masculinidade, na feminilidade, na atitude de bom filho, no bom comportamento, na crença religiosa - existem ditames correspondentes e tendências à avaliação na psique de todos os seus membros. Portanto, as questões da mulher selvagem rejeitada geralmente são duplas: a íntima e pessoal, e a externa e cultural."