quarta-feira, 30 de setembro de 2009
A CHAMA QUE ARDE EM MINHA ALMA
sábado, 26 de setembro de 2009
A VERDADEIRA ALMA DO FEMININO
"O feminino é o desconhecido e, de algum modo, é como vós se sentem como mulheres na Terra. Tem havido uma grande perda de rumo no mundo feminino - há um grande mal entendido quanto ao papel da mulher no plano terrestre. Como temos dito frequentemente durante estas canalizações, uma mulher deveria ser 55% de energia feminina e 45% de energia masculina; uma mulher converter-se-ia num homem de segunda classe ou numa mulher de primeira classe se tentasse operar segundo a representação masculina. Faria isto devido à sua insegurança, nunca por segurança, em relação à sua própria feminilidade. Uma mulher estará verdadeiramente operando com o seu poder no reino feminino, mas nunca o poderá fazer no âmbito do seu poder no reino masculino. A masculinidade, mesmo para a maioria dos homens, é uma área onde é difícil operar. Muitas mulheres aprendem a operar no reino masculino; no entanto, enquanto operam neste reino, qualquer mulher se sentirá superficial e vazia.
Uma mulher que opera no reino masculino estará operando por insegurança e falta de compreensão da sua própria feminilidade. Uma mulher que opere dentro do seu poder feminino será, de longe, muito mais forte e capaz, que uma mulher que opere no reino masculino.
(…)
... No lado esquerdo dos vossos corpos têm a verdadeira e autêntica energia feminina. No lado direito têm o que não é verdadeiramente uma energia feminina, mas é a energia que aprenderam com as vossas mães e colegas femininas, com o vosso círculo de amigos e familiares. No vosso lado direito estará a marca da vossa feminilidade e no lado esquerdo o vosso típico arquétipo feminino.
(…)
Podem sentir que a energia feminina é muito poderosa… tão poderosa mas tem uma suavidade e gentileza… Tem mesmo uma energia guerreira inserida em si mesma. Uma mulher que se defenda a si mesma usando a sua energia guerreira feminina será, de longe, mais poderosa do que uma mulher que tente operar a partir da sua energia guerreira masculina. Quando uma mulher permanece fiel a si mesma, estará dentro do seu poder feminino.
Permitam que a energia flua lenta mas firmemente através do vosso corpo… Esta energia feminina está aqui para ficar, a menos que decidam escolher os vossos condicionamentos sociais… Esta é a verdadeira energia do feminino… Enquanto operarem nesta energia encontrarão verdadeiro amor para vocês mesmas… Os homens ao vosso redor notarão a luz… O amor que viva no vosso coração será libertado para o exterior e todos o notarão…Todos o reconhecerão e a vossa beleza interior brilhará a partir de dentro… O Amor irá definitivamente atravessar o vosso caminho. Onde esta energia encontrar resistência, reconhecerá essa resistência e permitirá que gentilmente se dissipe, liberte e parta.
(…)
As mulheres que operem nesta energia terão crianças pelas razões certas; terão um conhecimento inato de como criar uma criança. Como esta energia chega para todos - o conhecimento absoluto do que é ser mulher - todas as mulheres quererão estar nesta energia. Vocês criarão um espaço para a vossa própria harmonia e segurança…criarão um espaço de desejo, desejo de ser mulher e de entrar nesse espaço de feminilidade… o espaço do sagrado feminino… o espaço da verdadeira compreensão, não só da feminilidade mas da natureza.
Não só compreenderão a feminilidade aqui na Terra, mas terão uma absoluta conexão divina com a Terra Mãe e com o Pai Céu… terão uma compreensão completa da Mãe Terra… um verdadeiro sentimento e sentido de pertença… Enquanto falamos está sendo dissolvido tudo o que é de segunda classe acerca de ser mulher… uma mulher dentro do seu verdadeiro poder nunca receará um homem… ela verá a verdade dentro do homem… e conhecerá um homem que está no seu verdadeiro masculino sagrado e opera a partir dele.
A Nova Era começou maioritariamente com mulheres trabalhando nelas mesmas, mas mais e mais homens começaram a trabalhar neles próprios e a entrarem cada vez mais dentro da verdade do masculino sagrado. À medida que vocês, mulheres, fazem nascer o sagrado feminino dentro deste reino e deste circulo, criam também um espaço para o sagrado masculino ser impresso e manifestado aqui na Terra.
No mundo ocidental o sagrado masculino está virtualmente obsoleto - os vossos lideres encontram-se nessa situação há gerações. O sagrado masculino foi substituído por um homem subversivo de segunda classe que opera usualmente fora do poder, da vontade ou da integridade neste plano terrestre… Daí as razões para as regras, para tantos conflitos e falta de resolução; a maioria dos homens não está no seu poder. A energia guerreira foi dissipada… foi dissipada pela tecnologia… a bala inventada no mundo ocidental, na Europa, custou caro às civilizações do Norte e Sul da América, África, parte da Ásia e todas as grandes culturas… O que o Ocidente nunca se apercebeu foi que isso custou caro à sua própria espiritualidade.
A guerra e o conflito fazem parte de facto do ser homem; o verdadeiro carácter guerreiro faz parte do autenticamente masculino. Balas e bombas nucleares fazem parte de uma energia masculina de segunda classe… não é uma energia verdadeiramente masculina, é a energia da cobardia, uma falta de compreensão da condição masculina. Quando um homem mata outro homem num acto de guerra, cometido em integridade absoluta com as coisas do modo que elas são, então esse homem dormirá pacificamente durante a noite. Mas quando homens se escondem por detrás do cano de uma arma e não olham nos olhos do homem para o qual disparam a mil metros de distância, ou lançam bombas de um avião em cima de mulheres e crianças inocentes, esse tipo de homem não dormirá à noite, não descansará facilmente, não descansará em paz – será impossível porque esse homem está a agir através de uma energia masculina de segunda classe; esse tipo de homem criou um mundo muito inseguro para a sua própria mulher e filhos.”
(…)
- Quanto mais a mulher ocidental caminhar para dentro do seu verdadeiro poder feminino, mais ela criará um espaço para o homem assumir a sua sagrada alma masculina. Um homem na sua verdadeira alma masculina será um homem pelo qual vale a pena dar a vida; ele será um homem para amar e reverenciar, para honrar e respeitar. O Ocidente não poderá mais suportar homens de segunda classe e líderes de segunda classe para os governar. O Ocidente, se pretende salvar-se, terá que ser governado por homens de primeira classe com consciências de primeira classe, compreensão espiritual de primeira classe da vida e de quem eles são. À medida que mais mulheres caminharem para o seu sagrado feminino, mais os verdadeiros lideres das nações se erguerão acima dos líderes actuais.
(…)
IN "A VERDADEIRA FEMINILIDADE'"
Kryon - David Brown
A DOR O CAOS E DESESPERO INVADEM O MUNDO INTEIRO
Todo país que perde o laicismo e o troca pelo radicalismo teocrático patriarcalista, sempre quem mais sofre são as mulheres e no caso, crianças. Me doeu ver a pedofilia sendo sacramentada e apoiada pelas autoridades religiosas e políticas daquele país. Reconheço que muitos dos que denunciam as atrocidades de que são vítimas as mulheres no mundo islãmico, não o fazem por estarem preocupados com os direitos humanos das mulheres e sim por questões políticas e ideológicas antagónicas a esses passei. Mas ainda assim, não há justificativa moral, cultural ou religiosa para o que as mulheres sofrem e a indiferença com que o mundo inteiro assiste a isso… Aliás. a situação das mulheres na Africa, Asia e Oriente Médio é totalmente ignorada pelos governos do mundo todo. E o mais revoltante é ver como os interesses das mulheres são sempre descartados ao menor sinal de contrariar os interesses políticos e económicos das grandes potencias, basta ver o silencio dos EUA sobre a aprovação da lei do estupro no Afeganistão. Outra aberração injustificável.
*
Mais um documentário impressionante:
"The greatest silence - Rape in the Congo"
O documentário revela a triste realidade das mulheres do Congo que no meio da guerra estão sendo estupradas sistematicamente pelos próprios soldados de seu país que difundem uma crença absurda de que isso ajudaria o país a vencer a guerra!
Muitas delas não saem de casa nem para procurar alimento...
O número de mulheres que sofrem essa violência é absurdo e muitas delas são raptadas para servirem de escravas sexuais em campos militares. É revoltante!
Aqui está o trailer do documentário:
http://www.youtube.com/watch?v=0oGGpulYsZY
COMENTÁRIO ANÓNIMO MULHERES & DEUSAS:http://rosaleonor.blogspot.com/
Gaia Lil disse...
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
A JORNADA DA MINHA ALMA
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
A VOLTA DO CULTO A GRANDE MÃE
Rosalira OLIVEIRA
“Pois a Grande Deusa, cuja fronte é coroada com as Torres do Impossível, move-se através das gerações de um crepúsculo ao outro e não há fim para o seu longo viajar de revelação a revelação”. John Cowper Powys
O artigo aborda várias facetas do arquétipo da Grande Mãe, desde as teorias arqueológicas acerca da sua adoração em tempo pré-históricos até o seu retorno no momento atual. Este retorno é aqui interpretado como parte da busca por outros modos de relacionamento entre a humanidade e a natureza.
Palavras chaves: Grande Mãe, Religião, Arqueologia, Mitologia, Ecologia
O fim do século XX assistiu a um acontecimento inesperado: o renascimento de uma religião considerada morta há tanto tempo que a humanidade quase se esqueceu que ela um dia existira. Essa religião é a adoração de uma Grande Deusa, vista, simultaneamente, como Senhora da Vida, da Morte e da Regeneração.
O culto do divino feminino é um dos mais antigos que se tem notícia. O primeiro elemento cultuado pelo homem foi a Terra. E a Terra, dizem os mitos, foi gerada por ela mesma. A vida surgia da sua carne rasgada e jorrava das suas profundezas. Era ela que produzia os frutos, os animais e o próprio homem. Ela era a mãe de todas as coisas vivas e também a responsável pela morte. Afinal, se a vida era percebida como um “ab uterum”, um emergir do ventre da Terra, a morte representava uma volta, um regresso “ad uterum”, para que um novo nascimento pudesse acontecer. Assim ocorria com a semente, assim também com o homem. Os ciclos de morte e renascimento; criação e destruição; observados na natureza, eram sentidos como igualmente válidos para a trajetória do homem no mundo. Para a humanidade do início dos tempos, não havia separação entre o mundo humano e o mundo natural e todos compartilhavam o mesmo destino como filhos da Terra. É exatamente em respeito a esse vínculo que a arqueóloga Marija Gimbutas, considera importante esclarecer que “a Deusa era a Mãe mais-do-que-humana. Se for usado o termo Grande Mãe, deve ser entendido como a Grande Mãe Universal cujos poderes se difundem por toda a natureza, por toda a vida humana, por todo o mundo animal, por toda a vegetação”. (1998: 54)
Esse processo de mudança de mentalidade encontra-se refletido nos mitos. Um bom exemplo é a formação do panteão grego. Bem antes dos mitos clássicos tomarem forma e serem escritos por Homero e Hesíodo – no século VII a.C. – já havia uma rica tradição oral de formação de mitos. Muito provavelmente, estes mitos refletiam o resultado do processo de conquista da região da Anatólia pelos indo-europeus. Neles, são evidentes:
Qual a razão deste interesse? Por que falamos em retorno da Deusa? O que significa esse retorno? O que teria a Grande Deusa cultuada no prelúdio da nossa história a dizer aos homens e mulheres do mundo atual? Penso que uma das explicações reside no fato de que as recentes descobertas a respeito da Deusa e Suas culturas colocam em questão os pressupostos básicos daquilo que já foi descrito como:
Um sistema de cinco mil anos, no qual o mundo foi concebido como uma pirâmide, regido do alto por um Deus masculino, com criaturas feitas à sua imagem (homens), por sua vez divina e naturalmente ordenados para governar mulheres, crianças e o resto da natureza. (EISLER, R. 1998:12).
Neste sistema, que predomina até os dias atuais, o mundo é concebido como uma espécie de cadeia de comando na qual o Deus-pai delega ao homem a tarefa de governar as suas outras criaturas, tidas como inferiores. Um bom exemplo está na “doutrina das causas finais” que, numa de suas versões, afirma que o mundo foi projetado por Deus para um determinado fim: o bem-estar da humanidade. Sendo assim, caberia ao homem o papel de “agradecer essa dádiva e, em troca, aceitar exercer o controle do planeta, uma aceitação que foi recomendada com instância pelos judeus já em tempos antigos” (EHRENFELD. D. 1992:05). Esta doutrina se fundamenta em três idéias centrais, que orientam, até hoje a nossa relação com o mundo não humano: a que nos autoriza a usar uma natureza criada para nos servir; a que nos permite exercer amplamente o nosso “controle” e aquela que afirma a superioridade humana em relação à natureza.
De modo radicalmente diferente, as culturas da Deusa concebiam o mundo natural e o mundo humano como interligados na grande teia da vida, nada menos que o Seu próprio corpo. A crítica lançada pela Deusa a esse sistema reverbera e atinge todos os setores da nossa “civilização”: relações de gênero, cosmologia, relação com o corpo, com o sexo, com a natureza, conceito de ciência, etc. No seu simbolismo, homens e mulheres têm encontrado inspiração para propor um mundo diferente, um mundo no qual a posse e o domínio não sejam as únicas formas de relacionamento nem entre os seres humanos, nem entre nós e aqueles com quem partilhamos a vida na Terra. Mas, antes de aprofundarmos essa discussão exploremos ainda que brevemente a fragmentada história da Grande Deusa e das Suas culturas.
A Deusa e Suas culturas:
Os estudiosos costumam situar as origens do culto da Deusa no período Paleolítico (por volta de 100.000 a 10.000 a.C.), também chamado “período dos caçadores/coletores”. As estátuas da Deusa representada como uma mulher com seios e nádegas pronunciadas – as chamadas “Vênus Paleolíticas” – estão entre as primeiras representações do divino que a humanidade elaborou. Algumas dessas imagens datam de 30.000 anos atrás. Tradicionalmente vistas como ligadas a algum culto antigo de fertilidade, elas foram reinterpretadas por Marija Gimbutas como representações dos poderes do mundo geradores da vida, precursoras muito antigas da Grande-Mãe que ainda será reverenciada em épocas históricas. No seu entendimento, as imagens das “Vênus”, com suas características femininas – seios, ventre, vulva, quadris – deliberadamente exageradas, constituem:
Uma representação religiosa - a reificação da Geradora da Vida. Aquelas partes do corpo que, aos nossos olhos, parecem exageradas ou grotescas são as suas partes mais importantes, mágicas e sagradas; a fonte visível e produtiva da continuidade da vida em seus diversos aspectos e funções. (1998: 54).
Mas não é só no início da aventura humana que a Deusa se faz presente. A Grande Mãe do Paleolítico atravessa toda a chamada “revolução agrícola” para firmar, no período seguinte, sua adoração. O Neolítico é considerado um momento de grande prestígio do feminino, fato atestado pelo impressionante número de esculturas, gravuras e outras imagens representando imponentes personagens femininos, cujo poder e natureza divina se afirmam nitidamente. É ainda Marija Gimbutas quem percebe nesta continuidade da representação feminina, “uma única linha de desenvolvimento de um sistema religioso, desde o Paleolítico Superior, passando pelo Neolítico, pelo Calcolítico e pela Idade do Cobre baseado em uma organização matrifocal”. (IDEM: 67).
se tornaram, então, as responsáveis pela abundância das colheitas, uma vez que conheciam e compartilhavam do mistério da Criação. Esse modo de pensar constitui uma expressão daquilo que Mircea Eliade denominou “consciência agrícola”, uma concepção de mundo que tem na percepção de uma solidariedade mística entre a fertilidade da terra e a fecundidade da mulher uma das suas intuições fundamentais. Nesta concepção, o próprio trabalho agrícola é um rito, já que além de ser um ato realizado sobre o corpo da Terra-Mãe, implica na integração do lavrador com os Seus ciclos. Ainda segundo Eliade, a consciência agrícola enseja uma “religião cósmica”, fortemente ancorada no vínculo mágico que une agricultura e procriação, na qual os ritos destinados a assegurar a fecundidade do solo são freqüentemente realizados pelas mulheres. São exemplos de tais ritos: a nudez, as orgias, as gotas de leite materno derramadas no campo, a semeadura ritual, etc. Em alguns casos, apenas as mulheres grávidas podem participar, em outros apenas as virgens e em outros, ainda, apenas as casadas. Todos eles reafirmam a crença nesse vínculo cósmico, nessa solidariedade profunda em virtude da qual:
A fecundidade da mulher influencia a fertilidade dos campos e a opulência da vegetação, por sua vez, ajuda a mulher a conceber. Os mortos colaboram com uma e com a outra, esperando dessas duas fontes de fertilidade, a energia e a substância que os reintegrarão ao fluxo vital. (IDEM: 70).
A solidariedade dos mortos – enterrados como grãos – com a fertilidade e a agricultura reforça a onipotência da Terra-Mãe e, com ela, o prestígio das mulheres. A própria atividade agrícola é uma prática regenerativa. Através dela a semente enterrada sob a Terra volta à vida. É por conta dessa afinidade, e da natureza ctônica de ambos, que os cultos da fertilidade vinculam-se, de modo profundo, aos cultos mortuários. Neste complexo simbólico, tudo que toca à vida e, portanto, à riqueza, diz respeito à mulher. Fonte da fertilidade ela é também a curadora que conhece as ervas e a protetora que guarda o sono dos mortos até que estejam prontos para retornarem.
Os intelectuais ligados ao movimento feminista desenvolveram, portanto, um modelo diferente para a cultura neolítica: o de uma sociedade matrifocal ou matrística. É este o modelo que emerge de trabalhos como os realizados por Marija Gimbutas, sobre as divindades da “velha Europa” e por James Meelart nas ruínas da cidade de Çatal Hüyuk na atual Turquia, entre outros. Estes autores têm sugerido que as sociedades do período Neolítico eram realmente culturas pacíficas e cooperativas, nas quais as mulheres ocupavam posições sociais importantes como sacerdotisas, artesãs ou chefes de clã matrilineares, e onde não se encontram registros de grandes diferenciações de status baseadas no sexo. Enfim, sociedades matrifocais, nas quais o pensamento e as práticas espirituais giravam em torno de uma Deusa-Mãe e onde a filiação era definida através da linhagem materna. Nestas sociedades, a Deusa não era um mito, uma lenda, ou mesmo um símbolo no sentido moderno do termo, mas uma realidade cósmica. Uma realidade que, ao reificar a ligação entre todo o mundo vivo e sacralizar o mistério da criação, tendia a enfatizar valores, como a cooperação e a convivência pacífica – seja entre os sexos, seja entre o homem e os demais seres, etc. – em detrimento de outros, como a dominação e força bruta. Tratava-se, isso parece inegável, de um mundo matricêntrico muito diferente das sociedades masculinizadas que lhe sucederam.
Uma virada mítico-histórica
A mudança de valores ocorreu em diferentes momentos. No caso das culturas situadas na região da velha Europa, o processo teve início por ocasião das primeiras invasões indo-européias. Esses povos nômades trouxeram consigo uma nova ordem social dominada pelos homens e por deuses masculinos que se reflete no panorama mitológico e religioso Até este ponto, “a era da predominância feminina na religião está documentada como contínua durante uns vinte e cinco mil anos” (GIMBUTAS, M. 1998: 38). Mesmo após a maior parte da Europa se tornar indo-europeizada, no período entre 4.500 e 2.500 a, C., com a consolidação do domínio dos invasores, os dois sistemas culturais continuaram mais ou menos fundidos com o sistema matrifocal funcionando como uma espécie de subcorrente. É o que afirma Junito Brandão em relação à situação grega. Nela, temos:
De um lado um panteão masculino (patrilinhagem), de outro, um panteão, onde as deusas superam de longe (matrilinhagem) os deuses e em que uma divindade matronal, a Terra-Mãe, a Grande Mãe ocupa o primeiríssimo posto, dispensando a vida em todas as suas modalidades: fertilidade, fecundidade, eternidade. (BRANDÃO, J. 1991:70).
Exemplos relativos à fusão e a convivência (quase nunca pacífica) entre estes dois sistemas podem ser encontrados em quase todas as mitologias européias. Em geral tal conflito é descrito, simbolicamente, como uma guerra, na qual os deuses recém-chegados enfrentam e dominam os antigos deuses, condenando-os a regiões obscuras ou admitindo-os de forma subordinada no panteão principal. Este conhecimento constitui parte da tradição repassada dentro da religião da Deusa, como comenta este entrevistado, praticante de uma das religiões da Deusa:
Várias tradições falam de uma guerra. Você vai ter uma guerra nos gregos onde os Deuses tiraram o lugar das Deusas. Nos nórdicos também. (...) Mas você vê que a mitologia reflete uma fase histórica, um período da história em que aconteceu essa difusão do patriarcado que entrou em guerra com as culturas matriarcais e o que a gente tem até hoje é um reflexo disso. Mas em todas elas, o patriarcado teve que conviver com o matriarcado e com seus Deuses mais antigos.
Uma outra forma de expressão deste conflito é o combate entre um campeão da ordem – um deus ou herói solar – contra um monstro, serpente ou dragão – uma criatura ctônica, filha da Deusa-Terra, ou às vezes a própria Deusa – cuja derrota marca o fim do mundo matricêntrico e do domínio da Grande Mãe. São exemplos desse arquétipo: a luta de Apolo com a serpente Píton entre os gregos; de Javé contra o Leviatã entre os hebreus; de Marduk contra Tiamat, entre os babilônios, entre outros.
Descrita como o dragão primevo, Tiamat é a serpente marinha combatida por seu neto, Marduk, o qual depois de cortá-la em pedaços, passa a governar o mundo formado a partir dos pedaços do seu corpo. Observe-se a ambigüidade da narrativa mítica: por um lado, Marduk, ele próprio um filho da Deusa primordial. Por outro, ele dá origem a uma nova modalidade de criação não mais a geração, associada ao feminino, mas a morte e o desmembramento, associados ao poder masculino. Mais interessante ainda é o fato do corpo de Tiamat conservar o seu poder gerador, sendo apenas a partir dele Marduk pôde criar o mundo. Este combate repete-se em várias mitologias patriarcais, com as Deusas-Mães, ou a primeira geração dos seus filhos, sendo associadas a monstros que os novos deuses precisam derrotar para estabelecerem uma nova ordem. É o que Joseph Campbel denomina “difamação mitológica” e Highwater, classifica como “nada mais nada menos do uma conspiração mitológica” (1992:62). Na avaliação deste último, o protótipo dessa batalha entre os princípios feminino e masculino, deusa e deus, desordem e ordem, natureza e cidade reside no famoso confronto entre Zeus e a serpente Tifon, último filho de Gaia – a Deusa Terra. Segundo ele, uma condição para interpretar este mito em termos da atitude dos gregos em relação ao feminino é entender que, para a mentalidade helênica, Zeus era o inimigo do caos, o herói que defende os deuses contra a revolta selvagem identificada com as mulheres. Com sua vitória sobre Tifon ele assegurou o predomínio dos deuses patriarcais do Olimpo sobre a prole da Grande Deusa-Mãe, os primitivos Titãs. Desse modo, para Highwater, esse combate simboliza a “a ritualização de um conceito grego essencial: as mulheres personificam a natureza bruta – e a natureza representa o caos e a desordem” (IDEM: 66).
Ainda que documentada e ancorada em pesquisas realizadas em múltiplos campos – arqueologia, história, mitologia, história das religiões, etc. – a reconstrução sobre as culturas da Deusa tem, claramente, o caráter de uma hipótese de trabalho. Não podemos ter certeza do que pensavam e sentiam os nossos antepassados pré-históricos e nem é este é o ponto central da discussão. O ponto é que a recuperação da história das mulheres e a reconstrução do passado pela ótica feminina têm muito a dizer aos homens e mulheres de hoje. Pode oferecer uma alternativa para as relações entre os sexos no mundo contemporâneo e contribuir para criar novos padrões de relacionamento entre o homem e o mundo natural.
É exatamente como promessa de futuro que reaparecem o simbolismo da Grande Deusa e a história das culturas matrifocais. Ambos têm se revelado como uma fonte inesgotável de reflexão e de inspiração para muitas mulheres modernas. O símbolo da Deusa, como comenta Carol Christi:
Tem muito a oferecer às mulheres que lutam para liquidar aqueles estados de ânimo e aquelas motivações potentes, persuasivas e persistentes de desvalorização do poder feminino, de desconfiança na vontade feminina e de negação dos vínculos e do patrimônio cultural das mulheres que foram gerados pela cultura patriarcal. E visto que as mulheres estão lutando para criar uma cultura nova na qual são celebrados o poder, os corpos, a vontade e os vínculos das mulheres parece natural que volte à tona a Deusa como símbolo de renovada beleza, força e poder das mulheres. (mimeo)
Embora a Deusa não seja o equivalente da mulher, no seu simbolismo encontra-se presente muito daquilo que constitui o mais profundo do ser feminino, o que permite às mulheres uma identificação mais imediata com o arquétipo. Através desse processo de identificação, aspectos de suas vidas ignorados, marginalizados ou evitados pelas religiões patriarcais são resgatados e elas se tornam aptas a compreender e reverenciar a sacralidade da sua vida e do seu corpo. Como se pode perceber na fala abaixo:
O conceito de uma religião que venerava uma Deusa era surpreendente e poderoso. Tendo sido criada como judia, fui muito religiosa quando criança e prossegui minha educação judaica até um nível avançado. Mas, quando atingi o estágio de jovem adulta, ao final dos anos 60, algo parecia estar faltando. O movimento feminista ainda não havia renascido e eu desconhecia a palavra ’patriarcado’ mas sentia que a tradição, assim como se apresentava então, carecia de alguma maneira de modelos para mim enquanto mulher bem como de caminhos para o desenvolvimento do poder espiritual feminino
(...). A tradição da Deusa oferecia novas possibilidades. O meu corpo, agora, em toda a sua feminilidade, seios, vulva, útero e fluxo menstrual eram sagrados. A força primitiva da natureza e o intenso prazer da intimidade sexual assumiram papéis centrais como caminhos para o sagrado, em vez de serem negados, denegridos ou encarados como periféricos. (STARHAWK. 2001: 13).
O simbolismo da Deusa implica na aceitação da materialidade e da corporeidade da vida como sagradas. Como salienta Rachel Pollack, “encontramos o corpo da Deusa no nascimento, na menstruação e na alegria do sexo, mas o encontramos também na morte e na doença, uma vez que estas não são vistas como erros ou punições, mas como parte da existência”. (1998:48).De fato, aceitar o corpo como sagrado implica em lidar de outra maneira com a nossa própria corporeidade. Afinal, quando “consideramos Deus como perfeito, imortal e imutável, a morte torna-se uma violação, uma marca da nossa distância de Deus”. (IDEM: 49). Ao contrário, quando consideramos Deus ou a Deusa como algo encarnado nos mistérios da vida, a morte pode ser reinserida em seu lugar na dança cósmica e recuperar a sua sacralidade. Diferentemente do Deus-Pai transcendente, desincorporado e afastado da matéria, a Deusa tem um corpo que é o mundo físico: o céu, a terra, as águas e o submundo. Esta concepção do divino dispensa intermediações, a Deusa – a imanente – está em tudo e é tudo. Todas as coisas: das pedras às árvores passando pelos seres humanos são a Deusa, suas manifestações, suas muitas formas de existir. Ao invés do dualismo criador x criatura – característico das religiões patriarcais – temos aqui uma concepção que vê o divino como algo que está dentro da matéria física reforçando a importância da ecologia e do corpo.
O grande potencial de aglutinação inerente ao simbolismo da Deusa deu origem, nos últimos anos, a um movimento amplo e diversificado conhecido como “Espiritualidade Feminista”. No seu âmbito, muitas mulheres exploram o poder inerente ao sagrado feminino. Algumas delas atuam no contexto do Cristianismo ou do Judaísmo. Outras utilizam as tradições da Deusa provenientes de várias culturas distintas sem se identificarem obrigatoriamente com uma religião específica, e outras ainda, recriam a religião da Grande-Mãe buscando construir um enfoque adequado para os tempos modernos. A mais difundida dentre estas recriações é a Wicca – também conhecida como Bruxaria, Feitiçaria ou Religião da Deusa – que se afirma como uma espécie de reinterpretação da religiosidade do Neolítico, como declara este sacerdote:
A Wicca para mim é um resgate da experiência religiosa primeva. Aquela que se manifestou na escavação do primeiro túmulo humano, na produção plástica das estatuetas da Grande Mãe (as inúmeras Vênus européias e africanas) e nas pinturas rupestres. Daí a sua liberdade maior que as demais formas de Paganismo: ela pode transitar tranqüilamente por diferentes panteões, pois vê, em todos eles, um desenvolvimento arquetípico da mesma Deusa e do mesmo Deus.
Na thealogia da Wicca, a Deusa possui uma predominância marcante. Embora haja diferenças profundas entre as muitas tradições, em todas, Ela é vista como “a Criadora”, uma vez que, na sua concepção, a criação é um processo de nascimento no qual a Deusa prenhe de si mesma dá a luz ao mundo – incluindo o Deus, seu filho e amante – que é também ela mesma. Esta centralidade do culto à Deusa constitui a característica distintiva da Wicca, como explica esta sacerdotisa:
Quando você vai falar do Druidismo, por exemplo, você fala de uma religião da terra, mas você ainda vai ter um sistema mágico-solar, ou seja, ele é centrado, de certa maneira, no Pai. Ele respeita a Mãe, ele celebra a Mãe, mas ele não é centrado na Mãe. Quando você vai falar do Xamanismo é a mesma coisa, o conceito de Grande Espírito se sobrepõe a um conceito de Deusa. Quando você chega à Wicca, especialmente nas vertentes mais diânicas, a visão é diferente e a Deusa assume um papel preponderante. A Wicca é a religião da Deusa e do Consorte. É um caminho mágico lunar e feminino. Toda Wicca o é, a Diânica também, mas não só ela. Se não se tratar de um caminho lunar e feminino não é Wicca.
Mesmo assim, a Deusa, na perspectiva wiccana, não é concebida apenas como a mãe benevolente. Para seus adeptos, a criação é um processo contínuo, uma dança entre criação e destruição na qual formas antigas se dissolvem e novas são construídas. A veneração desse aspecto da Deusa funciona também como uma reação à concepção patriarcal do poder da mulher, vinculado exclusivamente à sua capacidade geradora.. Desta maneira, para as bruxas feministas, a Deusa é vista como:
A criadora do universo, mas também como destruidora, pois, no fundo, todos os atos de criação são também atos de destruição. Ela vem de muitas culturas. Ela é às vezes representada como o sol (luz) ‘ativo’ ao invés da lua (sombra) ‘passiva’. Ela é a guerreira que protege o Seu povo. Ela é Ereshkigal bem como Inanna. Ela é Kali, Ela é Venus, Ela é Freya. Todas as criaturas são Suas e a Terra é o Seu corpo. Suas energias estão ao nosso redor na forma de rios, raios e ventos, criando e destruindo constantemente.
Como “Mãe mais-do-que-humana” a Deusa sabe que, embora a vida deva ser preservada, esse imperativo não se refere à da vida individual, seja a de uma pessoa, seja a de uma espécie. Afinal, embora seja nossa mãe e nosso lar, a Terra também é ameaçadora, tanto doadora quanto tomadora de vida, conforme lembra esta entrevistada:
A Deusa não tem dó nem piedade da humanidade. Existe um jeito de encarar a Deusa no qual Ela é chamada “A preservadora”. Se Ela realmente precisar, ela vai cortar qualquer coisa da própria carne Dela e vai destruir o que quer que seja para que aquilo não continue destruindo o resto. Talvez, um dia, sejamos nós. E a Vida vai continuar em outras condições.
Além da semelhança óbvia trazida pela visão da Terra como um organismo vivo, e não apenas o lugar onde a vida se dá, as duas cosmovisões se aproximam também na sua concepção da Terra como uma Mãe ambígua, simultaneamente, criadora e destruidora, dona da vida e da morte. Como se percebe na citação abaixo:
Gaia, como eu a vejo não é uma mãe que, excessivamente amorosa, seja tolerante em face da má conduta. (...) Ela é dura e severa, sempre mantendo o mundo aquecido e confortável para aqueles que obedecem às suas regras, mas implacável em sua destruição daqueles que as transgridem (IDEM: Ibidem).
De maneira semelhante, os seguidores da Wicca costumam ressaltar que “se a vida é uma teia, a Deusa é uma aranha, uma predadora, bem como uma mãe” (HARVEY, G. 1997:77).
Hoje vivemos esse desequilíbrio, fruto de séculos de submissão de homens e de mulheres à estrutura patriarcal. Há autores que defendem a existência de uma estrutura matriarcal anterior ao patriarcado, há autores que preferem não ir tão longe e defendem apenas a existência de sociedades cooperativas nas quais homens e mulheres possuíam igual valor social. O fato é que hoje temos que lidar com o legado patriarcal tanto no sentido objetivo, quanto subjetivo de nossas experiências. E para que possamos fazer uma transição desta fase de desenvolvimento humano para uma outra mais justa e igualitária torna-se fundamental o resgate dos aspectos femininos submersos no útero primordial de nossa psique. (...) Ao encontrar-se com a fluidez de sentimentos presentes no feminino, a rigidez das leis masculinas pode tornar-se sensível às necessidades do Outro. Ao confrontar-se com a potencialidade criadora da Donzela, o impulso auto-centrado do Herói pode dar vida à lutas coletivas. Ao deparar-se com a generosidade da Grande Mãe, o código excludente do Pai-Celestial pode reconhecer a todos como Seus filhos.
Um dos principais pontos de interesse do movimento da espiritualidade da Deusa é a pesquisa e a recuperação da história das mulheres e da sua contribuição para a cultura humana. A história tradicional tem ignorado ou marginalizado as mulheres e apresentado a dominação masculina como a norma desde a origem da humanidade até os dias de hoje. Desse modo, a história se apresenta como uma narrativa patriarcal do modo como as coisas sempre foram e também como uma justificativa para a sua continuação nos mesmos moldes. Feministas costumam se referir à esta narrativa como “his-story” – a história dele – e estão, por sua vez, usando suas habilidades para descobrir, explorar e recordar “her-story”. Para algumas “her-story” constitui uma reconstrução muito mais verdadeira do que a história oficial; para outras uma espécie de mito fundador que propicia uma base filosófica para repensar as relações de poder entre os sexos. E algumas outras são ambivalentes quanto a essa questão: por um lado estão conscientes do rigor e da autoridade das pesquisas neste campo, por outro, não estão totalmente convencidas da existência de uma “idade de Ouro” das mulheres. Pensam, que na verdade, “idades de ouro” são mais bem trabalhadas como referências simbólicas para a criação do futuro do que como descrição literal de tempos passados.
Para os wiccanos, a crítica às instituições patriarcais, seu modus operandi e, principalmente, ao seu caráter excludente, não apenas em relação às mulheres, mas aos “diferentes” de modo geral, está no cerne da proeminência atribuída à Deusa. Seu substrato simbólico se apóia num ideal de matriarcado – seja este encarado como uma realidade histórica anterior ao predomínio masculino, seja como uma alternativa de poder e de organização social. Trata-se de uma questão delicada, pois ainda que existam, como vimos anteriormente, estudos arqueológicos sugerindo um perfil mais pacífico e cooperativo para as culturas do Neolítico permanece a questão de saber se esses indícios autorizam a afirmação da existência histórica de um matriarcado primordial, centrado no culto à Deusa-Mãe. E qual a importância deste fato para a religião e seu processo de desenvolvimento?
Para boa parte dos adeptos da Wicca, a resposta a esta questão tem sido a de que, embora essas pesquisas representem um aporte significativo à sua visão de mundo, e mesmo que as teorias desenvolvidas por estes estudiosos sejam bastante convincentes, elas não se constituem na fonte de legitimação da sua experiência religiosa. Esta lhes é dada a partir da sua conexão atual com a Deusa Mãe e Seu consorte, como afirma neste comentário a sacerdotisa e escritora Starhawk:
Para nós, Deusas, Deuses e, sobre este assunto, até mesmo teorias arqueológicas não são algo para se acreditar cegamente e nem são, tampouco, simples metáforas. Uma imagem da deidade, um símbolo em uma panela, uma caverna pintada, uma liturgia estão mais para portais que conduzem a estados particulares de consciência e determinadas constelações de energia. Medite neles, contemple-os e eles o levarão para algum lugar dentro do ciclo nascimento-morte-regeneração. O coração da minha conexão com a Deusa tem menos a ver com o que eu acredito que aconteceu há cinco mil ou há quinhentos anos atrás e muito mais a ver com o que eu noto quando piso fora da minha porta: aquela parte do carvalho que caiu no chão e faz a terra fértil. É chamando esse processo de sagrado que eu chego a este milagre cotidiano com um senso de temor e maravilhada gratidão e que, em condições muito práticas, eu composto meu próprio lixo.
Uma leitura complementar seria perceber essa afirmação de um “princípio social de organização matriarcal”, não como a expressão de uma realidade histórica, o que não exclui esta possibilidade, mas como a base noológica para a construção de um paradigma alternativo ao modo de organização patriarcal. A questão do poder constitui um ponto importante de reflexão para as mulheres envolvidas com o movimento da espiritualidade da Deusa. É bastante forte a crítica às instituições patriarcais, seu modus operandi e, principalmente seu caráter excludente não apenas em relação às mulheres, mas aos “diferentes” de modo geral. Muitos praticantes modernos, em particular as bruxas feministas criticam a sociedade atual por conta das suas estruturas sociais hierárquicas e autoritárias, baseadas no exercício do “poder sobre” que desautorizam e deslegitimam valores como sensibilidade, criatividade e colaboração. De fato, o chamado “poder sobre” é um dos pilares da visão de mundo patriarcal, caracterizada pela ordenação do mundo em opostos hierárquicos, a um dos quais é sempre outorgada a prerrogativa – e mesmo a obrigação – de dominar o outro. Como recorda Marilena Chauí:
Fomos habituados pelo chamado pensamento ocidental a estabelecer uma clara diferença entre corpo e alma, matéria e espírito, coisa e consciência e a relacioná-los de um modo hierárquico, um dos termos sendo sempre superior ao outro e, nessa qualidade, dotado do direito de mando”. (In VON KUSS, M. 2000:93).
Nesta perspectiva, a idéia de um matriarcado atuaria então como um “conceito fertilizador” que impulsionaria a busca e a expressão de formas não autoritárias e não coercitivas de poder, os chamados “poder de dentro” e “poder com”, como afirma esta bruxa ligada à tradição feminista da Wicca:
As bruxas feministas freqüentemente vêem o conceito de matriarcado como o fortalecimento das mulheres e a valorização dos princípios femininos. Elas perguntam a si mesmas como seria sentir estar no poder e como o poder pode ser usado diferente da forma como é usado no patriarcado. As mulheres que estão dentro de grupos exclusivamente femininos estão começando a descobrir em primeira mão como o sistema feminino trabalha e como pode ser empregado como uma alternativa ao sistema masculino. Elas estão começando a formar comunidades igualitárias que operam muito diferentemente daquilo que Riane Eisler chama de “sistemas androcráticos”. De fato, os postulados feitos por Eisler em seu livro sobre sociedades igualitárias e como elas funcionam são apoiados pelas observações de outras escritoras feministas sobre sistemas (ideais) de mulheres. E as bruxas feministas estão começando a utilizar estes sistemas em seus “covens”.
Talvez seja essa perspectiva da transformação de relações hierárquicas e de dominação em relações de cooperação e complementaridade, o ponto central da cosmovisão wiccana. Com sua valorização das polaridades “em relação” e sua defesa intransigente dos dois aspectos da realidade – a unidade de todas as coisas e a distinção que individualiza cada parte – a religião da Grande Mãe e do Seu Consorte sacraliza o desejo, visto como a grande força conjuntiva que suscita a união e a integração. O desejo é, segundo os wiccanos, "a energia primordial e esta energia é erótica: a atração entre o amador e o amado, do planeta e da estrela, do elétron pelo próton. O amor é o laço que mantém o mundo unido". (STARHAWK. 2001:57) Também o ato sexual é visto como sagrado, pois constitui “uma verdadeira celebração da vida, um ato de adoração” (BETH, R. 2000:34). Não por acaso, um dos pontos altos dos rituais da Wicca é, na maioria das tradições 19, a celebração do hierogamos – tradicionalmente denominado Grande Rito – que consiste, geralmente, na imersão, pelo sacerdote, de um punhal em um cálice de vinho, seguro pela sacerdotisa, representando o mistério sagrado da re-união das polaridades. Embora seja parte constitutiva da celebração dos oito festivais da Roda do Ano – que na Wicca são chamados de sabás 20 – o Grande Rito assume um papel central na celebração de Beltane, o sabá que comemora a união sexual do Deus e da Deusa, a conjunction oppositorum que assegura a renovação da vida na Terra.
Muitas são as manifestações coletivas e individuais através das quais se exprime o descontentamento das mulheres com as estruturas criadas por uma sociedade baseada na supremacia violenta do macho. Apenas algumas foram exploradas neste trabalho. O importante é destacar que são os ecos deste passado distante, no qual a força e o poder das mulheres eram respeitados que inspiram estas lutas contemporâneas. Através da força reencontrada das Suas filhas, a Grande Deusa novamente se faz presente.
Mais forte ainda deve ser a Sua voz neste momento. Este é um tempo de urgências e de definições de importância capital. Suspensos, como disse Riane Eisler, “à beira da ecocatástrofe, ganhamos coragem para olhar o mundo de outra maneira, para reverter os costumes, para transcender nossas limitações, para nos libertarmos das restrições convencionais sobre o que é conhecimento e verdade” (1998:31). De fato, foram, de um lado, nossa crescente percepção da ecologia e, de outro o iminente colapso ambiental que nos levaram a atentar para a interligação entre todas as formas de vida que é a base da espiritualidade da Deusa e a desejar viver de forma mais integrada à este Todo.
Reconciliar a humanidade com a natureza, interna e externa, passa pelo resgate do princípio feminino e não apenas do papel social da mulher. A tarefa colocada para todos – mulheres e homens que se reconhecem como filhos da Grande Mãe – é a de subverter a direção da evolução cultural que predominou nos últimos anos e reformar a cultura em todos os seus aspectos, não apenas no campo das relações de gênero. É preciso repensar profundamente os valores sobre os quais se erigiu uma cultura violenta, consumista, predatória e mercantilizada que reduziu a natureza a uma matéria inerte e passiva e, cada vez mais, limita as trocas entre os seres humanos àquelas mediadas pelo mercado. Trata-se de uma tentativa consciente de reformar a cultura, apontando para a importância de outros valores – como a solidariedade, o cuidado, a doação, entre outros. E isso tem ocorrido. Se olharmos para muitos dos movimentos sociais contemporâneos – feminista, ecológico, pacifista, simplicidade voluntária, entre outros – perceberemos em todos eles a presença inspiradora de tradições muito antigas, tradições nas quais a Mãe Terra era honrada. Perceberemos também “que a sociedade mais pacífica e justa que estamos tentando construir agora não é um sonho impossível, e sim uma possibilidade realista, enraizada na direção original da nossa evolução cultural” (IDEM). Neste processo, o resgate do arquétipo da Deusa é extremamente relevante, pois nos mostra a possibilidade de outras formas de convivência entre os diferentes que não a violência e o domínio disfarçados em hierarquia e justificadas em nome de uma divindade excludente e exclusivista. Talvez seja por isso que num dos momentos mais críticos de nossa história enquanto espécie, a Deusa se reaproxime nos convidando para novamente criar culturas que celebrem a vida e a sua diversidade.
O impulso propiciado pela sua redescoberta levou as mulheres à linha de frente no debate sobre qual a sociedade que queremos. Neste processo, “a voz feminina passou da ambição modesta de ser ouvida no espaço público a uma outra, bem mais subversiva, a de formular um outro projeto civilizatório” (OLIVEIRA, R. 1993:08). Inspiradas pela presença eterna da Deusa as mulheres estão, não apenas reinvidicando o lugar que de direito lhes cabe como co-criadoras da cultura humana, como também questionando a própria noção de humanidade baseada no controle e na ausência de limites éticos para o que o homem pode fazer. Se, por um lado, a emergência do feminino como lugar a partir de onde pensar e agir sobre o mundo é um sintoma do nosso tempo é, também “e, principalmente, o desejo consciente das mulheres que nele depositam sua contribuição para o futuro” (IDEM).
A força de Shakti veio a nós destas florestas e dessas terras: nós as vimos crescer ano após ano em direção ao seu shakti e de lá retiramos nossa força. Vimos nossos fluxos de água se renovaram e bebemos sua água clara e cristalina. Bebemos leite fresco, comemos manteiga de búfalo, comemos comida de nossos próprios campos – tudo isso nos dá não apenas nutrição para o corpo, mas também uma força moral, pois sendo nossos próprios mestres, controlamos e produzimos nossa própria riqueza. (IN SHIVA, V. 1992: 208)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS & NOTAS (REVISTA ÁRTEMIS)
Nota: no final do texto do sitie de origem
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domingo, 20 de setembro de 2009
A ALQUIMIA DE AFRODITE
"Foi ela que deu o germe das plantas e das árvores, foi ela que reuniu nos laços da sociedade os primeiros homens, espíritos ferozes e bárbaros, foi ela que ensinou a cada ser a unir-se a uma companheira. Foi ela que nos proporcionou as inúmeras espécies de aves e a multiplicação dos rebanhos. O carneiro furioso luta, às chifradas, com o carneiro. Mas teme ferir a ovelha. O touro cujos longos mugidos faziam ecoar os vales e os bosques abandona a ferocidade, quando vê a novilha. O mesmo poder sustenta tudo quanto vive sob os amplos mares e povoa as águas de peixes sem conta. Vênus foi a primeira em despojar os homens do aspecto feroz que lhes era peculiar. Dela foi que nos vieram o atavio e o cuidado do próprio corpo." (Ovídio).
NOS COMENTARIOS:
DEUSA LOTUS:
Ártemis é um arquétipo bem forte em mim. Antes mesmo de eu entender de Arquétipos, já tinha uma grande identificação com ela. Também sou muito amiga de mulheres, gosto demais da natureza e defendo a minha mãe como uma leoa! Viro uma ursa para defender crianças e mulheres abusadas ou que sofrem violência! Essa deusa, pulsa forte em meu coração, mas às vezes eu fico tão absorvida nela, fico tão focada com minhas metas pessoais, que me esqueço do resto... Também já fui muito arredia com os homens... aí, comecei a despertar Afrodite em mim. E isso foi muito bom! Eu diria que, até agora, os arquétipos mais fortes em mim são Ártemis e Atena. Estou equilibrando toda essa tendência a "independência" com Afrodite. Estou me saindo melhor nos relacionamentos agora que resgato a deusa alquímica...
sábado, 19 de setembro de 2009
TRABALHANDO COM A ENERGIA DA SERPENTE
A MINHA LUA
O terceiro aspecto da Deusa, a Anciã, corresponde à fase da Lua Minguante, sendo o menos compreendido e o mais temido.
A Lua Minguante define-se no acaso e na velhice. É aquela que encerra em si a sabedoria e os segredos nunca revelados. Está associada a velha bruxa, ao deteriorar da força vital, ao envelhecimento, assim como, aos poderes de destruição e da morte, à destruição do impulso de Eros.
A mulher que é arquetípicamente regida pela Lua Minguante é misteriosa e por vezes indefinível. Parece possuir um potencial para realização de algo que é difícil definir com exatidão. Possui virtualidades pressentidas, mas nem sempre realizadas. Ela mesma não se define de maneira consciente e clara. Possui também uma certa dificuldade em lidar com os aspectos da vida consciente. Esta é a mulher que vive no "mundo da lua". Está sempre descobrindo novas possibilidades, mas tem certa dificuldade em direcioná-las e nunca consegue finalizar o que começou.
Como está mais próxima e mantém constante contato com as fontes inconscientes da fertilidade, aparenta estar realizando algo, mas que pode nunca concretizar. É sempre suscetível a perder-se em sonhos e devaneios em função da dificuldade que tem em lidar com o concreto e o real. O seu maior obstáculo é o tempo presente, pois está sempre voltando ao passado, revendo tudo o que foi capaz de realizar, ou lamentando o que deixou de fazer. Ela está sempre distante do presente e por isso torna-se fria e distante dos outros, devido ao seu excesso de auto-referência.
A sua criatividade, se não submetida ao controle do ego consciente, pode assumir uma forma caótica e desordenada. A sua maior dificuldade está em mobilizar e dirigir essa energia. Possui ela, todo o potencial para a criação por seu acesso fácil às fontes criadoras lunares, mas necessita compreender e separar a mistura orobórica criativa, a fazer a ordenação do caos, para que ele se transforme num cosmo criativo
A mulher Lua Minguante possui uma energia muito forte, mas ela pode manifestar-se de maneira tanto construtiva, como destrutiva, dependendo da forma como trabalha o seu consciente. A necessidade de mudança também está sempre determinando seu comportamento. O que mais importa para ela é o próprio processo do que o objetivo final, o caminho não tem tanta importância, mas premente é a necessidade de fazer a passagem.
A introspecção ao mundo interior ocorre facilmente para a mulher regida pela lua minguante. A sua maior dificuldade está no fato de tornar-se produtiva e realizar toda a fertilidade encontrada. Se não conseguir direcionar essa vitalidade, objetivando-a e encaminhando-a para a realização criativa, toda essa riqueza pode se tornar inútil.
A Lua Minguante sempre serviu como vaso adequado para a projeção de todo o lado sombrio, tanto do homem como da mulher. Aqui penetra-se no reino de Hécate e Lilith e tantas outras deusas que apresentam aspecto sombrio, mas que pode no final nos trazer a iluminação. Talvez torne-se necessário para a mulher fazer um acordo com estas deusas, para que elas a presenteiem com a possibilidade de um enriquecimento de personalidade, permitindo a sua expressão de uma forma mais humanizada e não tão instintiva. Deste modo, as dimensões do instinto poderão ter uma via mais integrada, em que pode haver a participação de novas forças energéticas.
É observando e reconhecendo os movimentos da Lua no céu e integrando as suas três fases, que poderemos nos alinhar e sintonizar com o fluxo do tempo e com os ritmos naturais. Nos utilizando dos poderes mágicos da Lua e reverenciando as Deusas ligadas a ela, criaremos condições para melhorar e transformar nossa realidade, harmonizando-nos e vivendo de forma mais equilibrada, plena e feliz.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
GRAAL-A BUSCA PELA FEMININIDADE
Por analogia, é um continente, e seu conteúdo, na versão cristianizada, é o sangue de Jesus.
Por isso, é fácil deduzir que o Graal, mais do que a imagem do seio, representa o útero da Deusa Mãe, que dá vida a todas as criaturas do Mundo, a condição de ser fecundada. Sabemos que o País do Graal é estéril, está devastado e que esperam o cavaleiro eleito que deve devolver a fertilidade perdida. Como o Rei Pescador tem um ferimento que afetou suas partes viris, portanto, a taça do Graal como "útero materno", só poderá ser fecundado por um homem eleito.
Por analogia, Jesus seria esse eleito, mas qual foi o útero que Ele fecundou?Portanto, "O Código da Vinci" de autoria de Dan Brown, não é um "insulto à inteligência", como muitas pessoas já se referiram à obra, mas sim, mais uma das muitas interpretações cabíveis no que se refere a "taça do Graal". O Graal é pois, incontentavelmente um símbolo "Feminino" e a "Busca" que o cavaleiro empreende para encontrar o Graal, é uma busca de feminilidade. Um estudo de várias versões de sua lenda, nos permitirá constituir um dossiê a favor dessa opinião.