quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

HIERODULARE, AS MULHERES SAGRADAS



Palavra de Ishtar

Quando estou sentada à porta de uma taverna, eu, Ishtar, a Deusa, sou prostituta, mãe,
esposa, divindade. Sou o que chamam de Vida Embora vocês chamem de Morte. Sou o que
chamam de Lei Embora vocês chamem de Marginal. Eu sou o que vocês buscam E aquilo
que conseguiram. Eu sou aquilo que vocês espalharam E agora recolhem meus pedaços.

A Prostituta Sagrada

Embora dois Evangelhos, o de Marcos e o de Lucas, sustentem que Maria Madalena foi curada por Jesus da possessão de sete demônios, não está escrito, em lugar nenhum, que ela era uma prostituta. Apesar disso, esse estigma a tem seguido por toda a cristandade. A história original da unção de Jesus em Betânia pela mulher do vaso de alabastro deve ter sido mal interpretada pelo autor do Evangelho de Lucas, que o escreveu quase cinqüenta anos depois do acontecimento. A unção realizada pela mulher em Betânia era similar a uma conhecida prática ritual das sacerdotisas sagradas, ou "prostitutas" do templo, nos cultos às Deusas do Império Romano. E até o termo "prostituta" é uma denominação imprópria. Essa palavra, escolhida pelos tradutores modernos, é empregada para hierodulare, ou "mulheres sagradas" do templo da Deusa, que desempenhavam um papel expressivo no dia-a-dia do mundo clássico. Sua importância como sacerdotisas da Deusa tem origem no período neolítico (7000-3500 a.C.), quando Deus era honrado e amado como feminino nas terras hoje conhecidas como Oriente Médio e Europa.
No mundo antigo, a sexualidade era considerada sagrada, uma dádiva especial da Deusa do Amor, e as sacerdotisas que oficiavam nos templos dessa Deusa no Oriente Médio eram sagradas para os cidadãos dos Impérios Romano e Grego. Conhecidas como "mulheres consagradas", eram pessoas de prestígio, as invocadoras do amor, do êxtase e da fertilidade da Deusa. Em alguns períodos da história judaica, elas fizeram parte do ritual de adoração do Templo de Jerusalém, embora alguns profetas de Yahweh deplorassem a influência da Grande Deusa, localmente chamada de Asserá. A descoberta, resultante de escavações feitas em Israel, de milhares de estatuetas da Deusa do Amor suméria/cananéia (Inana, Astarté) segurando os seios convenceu os estudiosos de que a adoração da versão hebraica dessa divindade era comum na antiga Israel. As sacerdotisas da Deusa do Amor eram uma visão comum em todas as cidades do Império Romano, inclusive em Jerusalém.
No contexto dos Evangelhos, a mulher que portava o vaso de alabastro contendo o bálsamo pode ter sido uma dessas sacerdotisas. Curiosamente, entretanto, Jesus não se mostrou nem um pouco ultrajado com a atitude dela quando o ungiu. Ele até disse aos amigos que se reuniam para um jantar na casa de Simão, em Betânia, que a mulher o ungira para seu enterro (Marcos 14:8, Mateus 26:12). A importância de tal declaração não poderia ter sido mal compreendida pela comunidade cristã primitiva, que preservou essa história em sua tradição oral. A unção para o funeral era a representação de uma parte indispensável do ritual que cultuava o pôr-do-sol e o alvorecer, bem como os Deuses da Fertilidade de toda a região banhada pelo Mar Mediterrâneo.
A unção realizada pela mulher do vaso de alabastro era algo familiar aos cidadãos do império por causa dos rituais de sua Deusa do Amor. Em tempos mais remotos, porém, a unção do rei sagrado era um privilégio exclusivo da noiva real. Por milênios, esse mesmo ato fez parte do rito de casamento das filhas da casa real, que, assim, conferiam majestade ao seu consorte.
Naqueles tempos antigos, até cerca do terceiro milênio a.C., a maioria das sociedades do Oriente Próximo e do Oriente Médio era matrilinear - posição e propriedades eram passadas de mãe para filha. Na verdade, entre as casas reais de grande parte da região, essa prática se manteve inclusive durante o período clássico. Tanto a rainha de Sabá quanto Cleópatra do Egito reinaram como herdeiras dinásticas. Na Palestina, quase contemporaneamente a Jesus, o rei edomita Herodes, o Grande (que reinou de 37 a 2 a.C.), reclamou o trono de Israel baseado em seu casamento com Mariana, uma descendente da casa dos Macabeus, os últimos reis legítimos na Palestina.

Cultos do Rei Sacrificado

Vestígios de práticas matrilineares ancestrais e de adoração da Deusa ainda estavam presentes no primeiro século, na Palestina, uma província romana helenizada. Esses antigos mitos e costumes eram visíveis nos cultos das Deusas da Fertilidade da região. A unção feita pela mulher dos Evangelhos é remanescente da poesia romântica ligada aos ritos do Casamento Sagrado, celebrando a união de um deus local e uma Deusa. É bem possível que o verdadeiro significado da unção em Betânia tivesse sido exatamente este: o Casamento Sagrado do rei sacrificado. Seu conteúdo mitológico teria sido entendido pela comunidade helenizada de cristãos que ouviram o Evangelho ser pregado nas cidades do Império Romano, onde os cultos das Deusas do Amor não haviam sido completamente abandonados, o que só aconteceu no final do século V d.C.! E no Evangelho de João, a mulher - a Noiva - cujo nome é citado como aquela que fez a unção é Maria de Betânia.
Entretanto, é sempre a Maria chamada "a Madalena" que é representada na arte ocidental carregando o vaso de alabastro que contêm o precioso bálsamo. E é no seu dia que a Igreja Católica Romana cumpre a tradição de ler no Cântico dos Cânticos (3:2-4) a história da Noiva à procura do Noivo/Amado, de quem fora separada. Nas pinturas medievais e renascentistas, invariavelmente, é Madalena que vemos, de cabelo solto, aos pés da cruz, com Maria, mãe de Jesus, e é também ela que beija os pés de Jesus em pinturas da Descida da Cruz (a retirada do corpo de Jesus da cruz).
Essas obras nos trazem à memória a mitologia pagã de vários Deuses do Sol e da Fertilidade (Osíris, Dumuzi e Adônis), que foram mortos e ressuscitaram. Em cada caso, a viúva (Ísis, Inana e Afrodite) derramou seu luto e desolação sobre o corpo do amado, lamentando sua morte com infinita tristeza. A mitologia egípcia, por exemplo, relata que Ísis, a Noiva-Irmã de Osíris, orou sobre o corpo mutilado dele e concebeu o filho, Hórus, após a morte do pai. Em cada culto, é a Noiva que chora a morte do deus sacrificado. Na poesia usada nos cultos de adoração de Ísis, alguns versos são idênticos aos do Cântico dos Cânticos e outros são paráfrases bem próximas. Mais recentemente, estudiosos observaram semelhanças entre as imagens eróticas do Cântico e a poesia romântica da Babilônia, da Suméria e de Canaã na Antiguidade. As evidências dessas similaridades foram descobertas em tábuas cuneiformes e em antigos templos e arquivos no século XX.
A Noiva Perdida da tradição cristã aproxima-se muito desses mitos e histórias remotos. Existe uma tradição muito antiga que identifica Maria de Betânia como Maria Madalena na Igreja ocidental. Na arte medieval, essa mulher também era associada à Noiva-Irmã da mitologia antiga.
O conceito da Noiva-Irmã desses mitos tem extrema importância em nossa história. A Noiva, Deusa da Lua ou da Terra na Antiguidade, era a esposa do Rei-Sol, mas era muito mais do que isso. Era amiga íntima e parceira do Noivo-Deus - a sua imagem refletida em um espelho, sua "outra metade", um alter-ego feminino ou "irmã gêmea". Por esse motivo, o símbolo do espelho é mantido na iconografia da Deusa. O Noivo arquetípico simplesmente não poderia ser completo sem ela! O relacionamento entre eles era muito maior do que uma união sexual - havia uma profunda intimidade espiritual e um "parentesco" resumidos na palavra "irmã': O Casamento Sagrado do Noivo com sua Noiva-Irmã não se limitava à paixão física, era uma união de êxtase espiritual e emocional mais profunda também.
Os cristãos da Igreja dos primeiros tempos associaram de imediato Maria Madalena à Noiva-Irmã negra do Cântico dos Cânticos. Em Vênus in Sackcloth (Vênus em hábito de penitência), Marjorie Malvern examina a metamorfose de Maria Madalena: de prostituta a contraparte/amiga de Jesus, por dois milênios na literatura e arte ocidentais. O livro mostra a mudança na arte do século XII, que começou a representar Maria Madalena como a companheira de Jesus, no estilo da mitologia de Vênus/Afrodite e de outras Deusas do Amor, cujos domínios eram a fertilidade e o casamento. A autora sugere que essa transformação resultou do contato com a poesia romântica do mundo árabe no tempo das Cruzadas. Ela observou que essa intimidade foi suprimida no século XIII e que a mãe de Jesus adquiriu uma posição de destaque que não possuía nos próprios Evangelhos. Malvern também chama a atenção para o entusiasmo que havia na Idade Média pelas peças sobre a Paixão de Cristo e para a especial fascinação que as pessoas demonstravam pelas cenas da unção em Betânia e do encontro, no jardim, de Madalena com Jesus ressuscitado.
Acredito que foi a propagação da heresia do Santo Graal o motivo dessa surpreendente transformação de Maria Madalena - que passou de prostituta a Noiva-Irmã - nas representações artísticas do século XII. A Maria retratada em muitas dessas pinturas medievais não era a "pecadora arrependida” nem a "prostituta regenera¬da" nem apenas uma amiga de Jesus. Ela era a sua amada.
Muitas pessoas podem sentir-se inclinadas a rejeitar a idéia de que Jesus era casado com Maria Madalena, a irmã de Lázaro. O motivo é muito simples: elas acreditam que, se ele tivesse se casado, os Evangelhos nos teriam contado esse fato. Porém, um exame mais cuidadoso das Escrituras revela várias evidências que corroboram esse matrimônio. Talvez, então, seja melhor começarmos nossa busca com uma análise do Cântico dos Cânticos, cuja interpretação alegórica não esconde as imagens intensamente eróticas do poema de amor. Devemos, também, examinar o motivo condutor da Noiva e do Noivo nas Escrituras hebraicas e nos Evangelhos cristãos. Mais tarde, continuaremos com a busca do Santo Graal. Mas, primeiramente, vamos estudar o rito ancestral do Casamento Sagrado, celebrado nas terras do Oriente Médio e no Cântico da Noiva e do Noivo arquetípicos.

Maria Madalena e o Santo Graal
A Mulher do Vaso de Alabastro
MARGARET STARBIRD


Um dos textos fundamentais utilizados na Idade Média para contemplação da união da deidade Shechinah(A Deusa Judaica) era o "Cantar dos Cantares". O bíblico Cantar dos Cantares apresenta uma voz feminina dominante (a esposa) e alude a rituais de fertilidade correntes no Oriente Próximo pré-judaico. A linguagem da época está carregada de imagens sexuais e relacionadas com a terra. Ou seja o Cantico dos Canticos é em sua essencia um hino a Grande Deusa e ao seu consorte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Que o Poder Infinito da Deusa e da Mãe Natureza purifique seus caminhos.