O termo gnóstico origina-se da palavra grega gnosis, ou conhecimento. Contrapondo-se ao termo agnóstico, ainda muito usado para designar aquele que acredita não poder tal conhecimento ser obtido com certeza, ou mesmo obtido de forma nenhuma. À semelhança de outras tradições religiosas místicas ocidentais e orientais, a cristandade gnóstica defendia a visão aparentemente não-herege de que o mistério da verdade divina ou superior é passível de ser conhecido por todos nós através da disciplina religiosa e da vida moral. Então, o que havia de tão herege no gnosticismo, a ponto de ter sido banido? O que encontramos especificamente nestes evangelhos gnósticos é a mesma idéia que levou o sacerdócio hebraico a vilipendiar e procurar destruir Jesus, qual seja, a de que o acesso à deidade não precisa ser feito por meio de uma hierarquia religiosa liderada por um rabino-chefe, alto bispo ou papa. Ao contrário, tal acesso pode ser obtido diretamente, por meio da gnose, ou saber divino — sem ser necessário prestar homenagem ou pagar impostos a um sacerdócio autoritário. O que também encontramos em tais escrituras proibidas pelo sacerdócio cristão "ortodoxo" é a confirmação de algo há muito suspeitado, tanto pela leitura das escrituras oficiais 102 quanto por fragmentos gnósticos descobertos antes: o fato de Maria Madalena ter sido uma das figuras mais importantes do movimento cristão primitivo. No Evangelho de Maria, mais uma vez vemos ter sido ela a primeira a ver o Cristo ressuscitado (como está também registrado superficialmente nos Evangelhos oficiais de Marcos e João). Ali vemos igualmente que Cristo amava Maria Madalena mais do que todos os outros discípulos, como é confirmado no Evangelho de Filipe, um livro gnóstico. Mas o papel tão importante que Maria possa ter representado na história dos primórdios do cristianismo só vem à luz nessas escrituras proscritas. Segundo o Evangelho de Maria, após a morte de Jesus, Maria Madalena tomou-se líder cristã, tendo coragem de desafiar a autoridade de Pedro, que se tomou chefe de uma nova hierarquia religiosa baseada na afirmação de que só ele e seus sacerdotes e bispos possuíam uma linha direta com a divindade." "Considerem as implicações políticas do Evangelho de Maria", observa Pagels. "Como Maria enfrenta Pedro, os gnósticos, que a tomam como protótipo, desafiam a autoridade daqueles padres e bispos que se declaram sucessores de Pedro." Havia outras diferenças doutrinárias, também fundamentais, entre a igreja que ia surgindo, cada vez mais hierárquica, encabeçada por Pedro, e outras comunidades cristãs primitivas, tais como a maioria das comunidades gnósticas e seitas como montanismo e marcionismo. Tais seitas não só distinguiam as mulheres como discípulas, profetas e fundadoras do cristianismo, ao contrário dos homens hoje descritos como pais da igreja, mas também incluíam as mulheres, como parte de seu firme compromisso aos ensinamentos de Jesus sobre a igualdade espiritual, na liderança. Para enfatizar ainda mais o princípio gilânico básico de união e evitar supremacias permanentes, algumas seitas gnósticas escolhiam seus líderes em cada reunião, por sorteio. Tomamos conhecimento de tal procedimento através dos escritos de inimigos do gnosticismo como o bispo Ireneu, o qual supervisionava a igreja em Lyon, por volta de 180 d.C. "Em uma época em que os cristãos ortodoxos cada vez mais discriminavam clérigos e leigos", escreve Pagels, "este grupo de cristãos gnósticos demonstrou que, entre eles, recusavam-se a compactuar com tal distinção. Em vez da hierarquia de seus membros em 'ordens' superiores e inferiores, eles seguiram o princípio de estrita igualdade. Todos os iniciados, homens e mulheres, participavam do sorteio em iguais condições: qualquer um poderia ser selecionado para servir como sacerdote bispo ou profeta. Além disso, como faziam sorteios a cada reunião, até mesmo as distinções estabelecidas por sorteio Jamais se transformavam em 'supremacias permanentes'." Para os cristãos androcráticos que estavam obtendo o poder em toda a parte por meio da supremacia, tais práticas constituíam terríveis distrações. Por exemplo, Tertuliano, que por volta de 190 d.C. escreveu a favor da posição "ortodoxa", mostrou-se indignado com o fato de "todos terem o mesmo acesso, ouvirem e orarem igualmente — até mesmo pagãos, se aparecerem". Ele ficou escandalizado também por "eles compartilharem o beijo da paz com todos que chegam". Contudo, o que mais indignou Tertuliano — previsivelmente, já que ameaçava os próprios alicerces da infra-estrutura hierárquica, a qual ele e seus companheiros bispos estavam tentando impor à igreja — foi a igualdade de posição das mulheres. "Tertuliano protesta especialmente contra a participação 'daquelas mulheres entre os hereges', as quais compartilhavam com os homens posições de autoridade", observa Pagels. '"Elas lecionavam e engajavam-se em discussões; exorcizavam; curavam' — ele suspeita que poderiam até mesmo batizar, o que significava que elas também atuavam como bispos!" Para homens como Tertuliano, só uma "heresia" era ainda maior do que a idéia de homens e mulheres como iguais espiritualmente, heresia esta que ameaçava mais fundamentalmente o crescente poder dos homens que agora estavam se estabelecendo como novos "príncipes da igreja": a idéia da divindade como feminina. E isto — segundo os evangelhos gnósticos e outros documentos cristãos sagrados não incluídos nas escrituras oficiais ou Novo Testamento — era precisamente o que alguns dos primeiros seguidores de Cristo pregavam. Seguindo a tradição primitiva, e aparentemente ainda lembrada, na qual a Deusa era vista como a Mãe ou Provedora, os seguidores de Valentino e Marcos oravam à Mãe como "o Silêncio místico e eterno", como a "Graça, aquela que está acima de todas as coisas", e como a "Sabedoria incorruptível". Em outro texto, a Trimorphic Protennoia (traduzida literalmente como Pensamento Primevo Tripliforme), encontramos a celebração de poderes tais como o pensamento, a inteligência e a percepção qualificados como femininos — outra vez seguindo a antiga tradição na qual esses poderes eram considerados atributos da Deusa. O texto se inicia com a fala de uma figura divina: "Sou Protennoia, o Pensamento que habita a Luz. (...) Ela que existe acima de Tudo. (...) Estou em cada criatura. (...) Sou A Invisível dentro do Todo. (...) Sou percepção e Conhecimento, proferindo uma Voz por meio do Pensamento. Sou a verdadeira Voz." Em outro texto, atribuído ao professor gnóstico Simão Mago, o próprio paraíso — local onde a vida começou — é descrito como o útero materno. E nos ensinamentos atribuídos a Marcos ou Teodoto (cerca de 160 d.C.), vemos que "os elementos masculinos e femininos juntos constituem a melhor produção da Mãe, a Sabedoria". Seja qual for a forma assumida por essas "heresias", elas são claramente derivadas da tradição religiosa primitiva, quando a Deusa era cultuada e as sacerdotisas eram suas representantes terrestres. Da mesma forma, quase uniformemente, a sabedoria divina personificava-se como feminina — como ainda o é nas palavras femininas tais como a hebraica hokma e a grega sophia, ambas significando "sabedoria" ou "conhecimento divino", bem como em outras tradições místicas primitivas, tanto ocidentais quanto orientais. Outra forma assumida por essas heresias era o modo "não ortodoxo" com que representavam a sagrada família. "Um grupo de fontes gnósticas declara ter recebido uma tradição secreta de Jesus através de Tiago e Maria Madalena", relata Pagels. "Membros desse grupo oravam tanto ao Pai quanto à Mãe divinos: 'de Vós, Pai, e através de Vós, Mãe, dois nomes imortais. Pais do ser divino, e vós, habitantes dos Céus, humanidade, do nome poderoso'." Da mesma forma, o professor e poeta Valentino ensinou que, embora a deidade seja essencialmente indescritível, o divino pode ser representado como uma díade constituída pelos princípios masculino e feminino. Outros foram mais literais, ao insistir que o divino devia ser considerado andrógino. Ou descreveram o espírito santo como feminino, para que em termos da trindade católica tradicional, da união do Pai com o Espírito Santo ou Mãe Divina, se originasse seu Filho, o Cristo Messias.
IN O CÁLICE E A ESPADA - RIANE EISLER
IN O CÁLICE E A ESPADA - RIANE EISLER
5 comentários:
Sim, é verdade. Todas as religiões patriarcais inferiorizam a imagem da mulher. Com a aproximação de 2012 e a grande mudança de consciência planetária, muitos homens e mulheres, também, misóginos, que vêm o Sagrado Feminino como ameaça lançam mão, em sua tentativa frenética de tentar ocultar o poder sagrado feminino, de campanhas na internet e em outros meios de comunicação tentativas de mostrar a mulher como um ser malefíco, absolutamente imoral e egocêntrica e seus blogs misóginos têm muitos seguidores, homens que também estão tão perdidos e inseguros como os autores.
Na verdade, essas pessoas machistas estão perdendo a batalha e têm saudade de um passado que nós, mulheres, não temos nenhuma, embora ainda haja tanta violência, resultado da ação desses homens perdidos e amedrontados com o feminino
Eu poderia citar alguns destes blogs, mas creio que não seria ético e também atrairia muita propaganda imerecida aos mesmos. Muito ibope
abraços
Hamanndah
Concordo neste aspecto, são pessoas de mentalidade tacanha e limitada sem nenhum conhecimento do Eu Interior e sem respeito pela Terra Mãe que tudo pariu e tudo criou, seres que temem a si mesmos e sua face mais oculta, encerrada em vossos corações.
Creio que cada um se desenvolverá e recebera com o passar das encarnações na Roda da Vida, mais liberdade e auto-conhecimento e só então poderão receber a Chama da Grande Mãe em seu interior, pois o saber da Deusa é um conhecimento superior que por vezes nem os próprios "mestres" compreendeem.
Aguarda-mos com esperança o Amargi(do sumérico liberdade e retorno à Mãe) da Humanidade.
Abraços e bênçãos da Mãe Terra e da Mãe Serpente
No entanto se ligar aos antigos ensinamentos do culto a Deusa pode nos ajudar a reconectar com os aspectos antigos do culto a Mãe: a Sabedoria Feminina curadora, o segredo da Chama Interior, e a face Negra da Deusa...
Abraços
Bons comentários gostei da postagem e dos comentários.
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