Depois que entraram no mercado de trabalho, as mulheres transformaram radicalmente suas expectativas de vida. Conquistaram direitos, curaram muitos aspectos, equilibraram o jogo, mas temos a sensação de que o pêndulo da civilização foi para o outro lado. As mulheres, por exemplo, atualmente estão comprando sexo, que era o máximo simbólico do poder masculino. Perguntamos a quem entende: o que está acontecendo com as mulheres hoje? As mulheres sempre ‘compraram’ sexo, mas não pagavam com dinheiro, mesmo porque elas não tinham acesso ao dinheiro. Elas compravam indiretamente com a submissão, a sedução e outras artimanhas. A grande diferença é que agora elas o fazem de modo direto e, neste sentido, elas se equiparam e imitam os homens. Aliás, seria necessário definir melhor o que entendemos por sexo. A compra de sexo não está relacionada com prazer, mas com poder. O sexo físico é a arena onde se defrontam os poderes de um ou de outro. Os motivos são sempre individuais, podendo ir desde a imitação do comportamento dos homens até o desejo de vingar-se. Uma das razões é o fato de que, pela liberação dos costumes e a oferta fácil e abundante de parceiras sexuais jovens e freqüentemente inexperientes e menos exigentes, as mulheres de uma certa idade não encontram parceiros sexuais para vivenciar seu impulso sexual em uma relação de companheirismo. Fica como alternativa pagar para satisfazer-se fisicamente. Com dinheiro, são elas que estão no poder. Um encontro íntimo de uma mulher e um homem tem um sentido muito mais amplo do que simplesmente um momento de prazer físico. Prazer físico é a sensação de alívio ao descarregar uma quantia de energia acumulada. Neste sentido, também compro prazer físico quando vou ao massagista e me alivio das tensões acumuladas no corpo. Ou quanto tomo um analgésico e me desvencilho de dores. Um encontro sexual significativo e nutridor é mais do que alívio físico; requer o encontro de almas, onde há uma troca energética que nos traz um sentimento de união, se não com a totalidade do universo (isto seria o êxtase!), pelo menos com uma outra pessoa. Este sentimento de união não se obtém em uma troca puramente física. Assim, poderia dizer que as mulheres de hoje estão descobrindo seu próprio poder e exercendo-o de uma forma distorcida pela falta de modelos femininos de exercício do poder. Toda experiência de poder na nossa sociedade está baseada no modelo masculino, e é este que é imitado. No livro Feminino + masculino, você afirma que somos irracionalmente apegados às imagens que temos a respeito de como deveria ser uma mulher ou um homem. E que devemos buscar a possibilidade de nos expressar enquanto “humanos”, sem nos preocupar com nossa conformação biológica. É por aí que começa o caminho das pedras para a cura das polaridades sexuais? Sim, e é um caminho longo, que requer muita consciência. Primeiro, precisamos tornar conscientes as imagens impressas em nossa mente profunda, entendê-las, acolhê-las e avaliar se elas estão em consonância com aquilo que somos e queremos. Depois precisamos substituí-las por imagens que sustentem de forma positiva o que somos ou queremos ser. Parte deste trabalho pode ser feito sozinho ou com a ajuda de pessoas amigas e inimigas (estas muitas vezes nos ajudam mais, porque revelam coisas a nosso respeito que não queremos saber!). Mas, no que diz respeito às impressões mais profundas, que sustentam crenças e emoções limitadoras, podemos precisar de ajuda especializada, terapeutas que disponham de consciência e técnicas que nos ajudem a aprofundar o processo e que nos auxiliem a encontrar o caminho para nosso verdadeiro Ser. Não acho que possamos desconsiderar nossa conformação biológica. Sempre seremos mulheres e homens, mas se pudermos ser plenamente quem somos, sem os papéis limitadores e fixos que nos são prescritos socialmente, podemos nos relacionar com todas as demais pessoas do lugar de inteireza e valor próprio com o lugar de inteireza e valor da outra pessoa. Uma dica, que pode ajudar qualquer pessoa a começar este caminho das pedras e transformá-lo em um caminho gramado, é suspender o julgamento - sobre os outros e sobre si mesmo. Em vez de julgarmos o comportamento, a atitude, a reação de uma pessoa (nós incluídas!), podemos buscar entender sua razão e nos perguntar: Para quê? Como? De que outra forma? Estas perguntas são sempre melhores do que a clássica pergunta “Por quê?”, que apenas fecha a questão e não abre vias alternativas. Suspender o julgamento não é achar tudo lindo e maravilhoso, sem discriminação. Apenas significa que, antes que eu tenha acesso a múltiplas perspectivas de um evento, eu suspendo meu julgamento e continuo olhando, perguntando e refletindo a respeito. Depois eu posso concluir minha posição em relação a ele. O que são, na prática, parceiros equivalentes? Parceiros equivalentes são duas pessoas inteiras em si mesmas. Elas podem ser diferentes, cada qual com suas características próprias, suas habilidades específicas, seus saberes e preferências pessoais, sem que isto signifique que uma é melhor que a outra, que uma ‘manda’ mais que a outra, que uma tenha ascendência sobre a outra. Isto requer respeito mútuo e valorização das próprias qualidades e das qualidades da outra pessoa, uma complementando a outra com suas habilidades. Quando duas pessoas conseguem se relacionar neste nível, isto indica que cada uma delas é inteira em si mesma e que a parceria enriquece a vida de ambas. Isto significa incluir em vez de excluir. Como funciona a polarização sexual reprojetada no anímico? Freud e a teoria da inveja do pênis caducaram? As mulheres já encontraram o conforto do seu espaço único? Freud baseou a distinção psicológica entre homens e mulheres a partir das diferenças sexuais anatômicas. A inveja do pênis é apenas a inveja do poder do outro. Quando eu tenho poder próprio, não preciso ter ciúme do poder do outro. A curiosidade sexual entre crianças é mútua, os meninos querendo ver como são as meninas, e estas vendo mais facilmente como são eles. O feminino sempre é mais misterioso, porque seu poder se baseia em processos mais interiorizados: menstruação, gestação, lactação, por exemplo, enquanto o masculino é exteriorizado, o poder se expressa mais no social. Jung re-projetou esta polarização sexual no anímico, ou seja, ele polarizou a fonte interna, estabelecendo a distinção social entre homens e mulheres no mundo também na dimensão anímica, de modo que os homens são impulsionados pelo feminino interno (anima) e as mulheres pelo masculino interno (animus). Assim, em vez de conduzir a uma inteireza pessoal, ao retorno da unidade a partir da qual surge a polaridade necessária para qualquer manifestação, ele aprofundou a polarização. Mesmo falando em última instância do self, para Freud o self masculino é a referência do equilíbrio desejável para homens e mulheres. Para que as mulheres encontrem conforto em serem mulheres, é preciso que valorizem ambas as polaridades em si mesmas e nos homens, sem valoração de uma em detrimento da outra. O modelo que nós, mulheres, usamos para nos reconhecer ainda é o modelo masculino, pois este é o valorizado e enfatizado em quase todas as instâncias da vida cotidiana. Esta é uma das razões pelas quais as mulheres buscam imitar este modelo. Elas buscam valorização e reconhecimento através do modelo masculino. Mas isto elas só vão conseguir encontrar em si mesmas, valorizando e reconhecendo a si mesmas, suas companheiras de viagem e também - e isto é importante! - todos os parceiros masculinos nesta empreitada que é a vida. Algumas mulheres já estão exercitando isto em suas vidas, mas para que isto se torne possível para todas, é preciso que a sociedade como um todo se transforme. Qual é, hoje em dia, a verdadeira influência das mães na reprodução de uma educação machista? Seria correto afirmar que a maioria das famílias ainda cria homens e mulheres impregnados de machismo? Há muito que as mães são culpadas de tudo! Vamos pensar nas mães como mulheres? Elas estão inseridas em um mundo definido pelo masculino, influenciadas por todos os meios, como qualquer outra mulher e homem. Tornar-se mãe não traz imediata e magicamente uma mudança nos valores e crenças que a mulher aprendeu a sustentar, em conseqüência de seu processo de socialização. Além disso, a mulher não é a única ‘educadora’ no seio familiar, mesmo porque ela hoje não educa sozinha e antigamente não tinha poder para decidir como educar. É importante sempre levar em consideração o contexto de uma situação, porque a mãe também não é a única influência de uma criança enquanto cresce. Vivemos em uma sociedade machista, o que as mães podem fazer sozinhas? Isto não é pedir pelas Supermães, para que depois possamos culpá-las pelos nossos equívocos? A família reproduz a organização social vigente e, se as mães são as mantenedoras desta organização social, quando as mulheres saem para o mundo do trabalho dito ‘masculino’, elas vão ter outras experiências, reflexões e elaborações, transformando-se. Com sua própria transformação, elas vão transmitir isto não apenas para seus filhos, mas para todas as pessoas com as quais se relacionam. É assim que a sociedade muda. Isto é tarefa de cada pessoa e leva seu tempo. Depende de cada uma/um de nós. Em seu livro Rubra Força, sangrar vibra como um ato de poder. Se as mulheres, em sua maioria, retomassem conexão com seu sagrado, haveria menos cólicas menstruais e dores de parto? As dores de parto não são um castigo de deus, mas estão relacionadas com a configuração anatômica humana: um ser com uma cabeça mais ou menos grande precisa passar por um canal estreito que pode ser mais ou menos flexível. O conforto e o sedentarismo da vida moderna não ajudam a facilitar este processo. A perda do sentido do sagrado transforma uma dor “engrandecedora” em algo indesejável. Apesar disto, certamente muitas mulheres experimentam o parto como um momento de realização profunda - isto talvez não significa ausência de dor, mas esta dor traz uma recompensa que a torna insignificante diante da experiência. Ao parir a partir de seu próprio poder, o esforço da mulher tem outro significado. Podemos fazer um raciocínio semelhante com as cólicas menstruais. Diante dos desenvolvimentos tecnológicos, mudamos nosso modo de viver, de nos alimentar, de nos relacionar com os eventos biológicos. Isto altera o equilíbrio biológico e o corpo busca se adaptar e compensar. Cólicas são sempre contrações musculares; e contrações são sempre indicações de tensão, e uma tentativa de eliminar a tensão, ao mesmo tempo. Neste sentido, as cólicas menstruais podem nos fornecer informações sobre nós mesmas, se nos abrirmos para ouvir a voz do corpo, em vez de tentar calá-la pelo uso de analgésicos. Isto não quer dizer que devemos procurar o sofrimento e não aliviá-lo, mas podemos penetrar mais profundamente nas nossas sensações e sentimentos, trazendo consciência e, talvez, alívio de nossa tensão e das cólicas, por decorrência. Há um grande movimento de retorno ao sagrado, mas a grande maioria segue um caminho masculino, mesmo quando atividades físicas são envolvidas. Para as mulheres, é importante retornar aos processos físicos femininos, pois estes foram o alvo principal da supressão do valor das mulheres no patriarcado. Fluxos tão fundamentais na vida de uma mulher, o leite e o sangue... Como você traduz esse interessante link feminino com os líquidos? Homens e mulheres, somos compostos por 80% de água, assim como o planeta possui muito mais água do que terra. Assim como a vida emergiu do mar, a cria humana emerge das águas uterinas. Como mamíferos, o alimento para a cria humana jorra dos seios das fêmeas. Estas experiências arcaicas são atávicas, ou seja, estão profundamente inscritas na matéria de que somos feitos e entretecidas com o que somos. Isto faz com que as águas, e tudo que flui, simbolicamente sejam associadas com o feminino. Nos anos recentes, há um retorno bem expressivo da espiritualidade matrifocal em nível mundial. Como você enxerga esse fenômeno no Brasil? Não tenho conhecimento direto suficiente para emitir uma opinião objetiva. Do que conheço, sei que não basta usar o rótulo de matrifocal para que seja, realmente, uma perspectiva feminina. Apesar disto, acho todas as tentativas válidas, pois de alguma forma são manifestações de algo que está muito emaranhado e precisa de meios variados para vir à tona. A espiritualidade matrifocal busca recuperar um tempo em que o centro da organização social era a mãe e seus filhotes - o que ainda hoje predomina. Havia uma valorização do papel materno, uma questão básica para a sobrevivência de pequenos grupos humanos e sua expansão. Em minha opinião, isto não estava relacionado com poder, mas com o funcionamento natural da vida, pois estes pequenos grupos arcaicos dependiam profundamente de todos os indivíduos do grupo para sua sobrevivência. Acredito que o desenvolvimento dos conceitos de masculino e feminino tem mais a ver com as sociedades modernas, onde o poder está desigualmente dividido entre seus integrantes, e especialmente entre mulheres e homens. Qual é a importância dos clãs modernos? Mulheres de cidade grande em comunhão pelo simples prazer de estarem juntas... Como você vê a retomada da ritualização dos ciclos, da natureza “circular”, da sintonia com a lua, etc.? Por que as mulheres não deveriam se reunir pelo simples prazer de estarem juntas? Aliás, acho que este é o motivo mais genuíno para que mulheres e homens, separados ou misturados, estejam juntos. Acho de fundamental importância as mulheres se reunirem, porque a organização familiar nuclear isolou as mulheres, cada qual em sua casa com sua cria, isolando-a do contato humano adulto tão necessário à qualquer pessoa. Quando as mulheres se reúnem, elas ficam mais à vontade para ser quem são. Assim que um homem se faz presente, há uma mudança de atitude, em virtude da contaminação pela perspectiva masculina dominante, também na mente das mulheres. Assim, para que as mulheres aprendam a sustentar seu próprio jeito de ser no mundo, é importante experienciarem este mundo feminino em um ambiente apropriado, como sempre fizeram as mulheres tribais, quando se retiravam para a tenda da lua, para viverem sua menstruação, ou se retiravam para a floresta para parir seus filhos. Quando nos conectamos com os ciclos da natureza, estamos nos conectando com nossa natureza interna. Quando ritualizamos estes momentos, criamos novas impressões e hábitos, que vão nos possibilitar sustentar nosso jeito de ser em todos os momentos da vida. Há dezenas de revistas femininas no Brasil, e outros tantos programas especializados na tevê. Como você vê essa explosão editorial, e a quantas anda o foco e o “discurso” da mídia? A mídia é uma atividade econômica que precisa trazer lucro, como toda atividade econômica. Isto posto, o tema do feminino é atual, as mulheres estão em busca de si mesmas, as pessoas de um modo geral não têm tempo, nem hábito, nem são estimuladas para se aprofundarem em qualquer tema. As revistas procuram atender à demanda de seu público por soluções rápidas, fáceis, simplistas e charmosas. Precisam vender os produtos de seus anunciantes para financiar sua atividade. A busca incessante de novidade faz com que o de hoje já esteja ultrapassado amanhã. Todos estes elementos não propiciam um mergulho nas profundezas do Ser. Qualquer tema que requer aprofundamento e transformação vai contra todas estas demandas. A grande contribuição da mídia é a divulgação da informação e um primeiro contato com temas que, de outro modo, a pessoa não teria. Boa informação, transmitida em sintonia com o estado de coisas do mundo atual, pode abrir caminhos. O aprofundamento fica restrito a espaços mais intimistas. A intuição é domínio do feminino? Procede a sensação geral de que as mulheres têm mais curiosidade pelo esoterismo? A febre pelos oráculos, por exemplo, como você explica?
A intuição é uma habilidade humana e, portanto, mulheres e homens a possuem. O que se chama do ‘sexto sentido’ das mulheres foi e é uma habilidade necessária para criar os rebentos. É a capacidade de empatia com sua cria, para saber o que estes seres recém chegados ao mundo precisam para que se desenvolvam de modo saudável. Menos submetidas ao mundo estritamente racional como foram os homens, as mulheres tiveram mais experiência, tempo e permissão para manterem despertas suas habilidades ditas metafísicas, como é o caso da intuição. E isto faz com que sejam mais atraídas para o “esoterismo”. E ponho esta palavra entre aspas, porque o verdadeiramente esotérico são as ditas ciências secretas, que eram secretas apenas porque eram inacessíveis aos não iniciados, do mesmo modo que uma matéria universitária é inacessível ao aluno do primeiro grau. A febre pelos oráculos revela o sentimento das mulheres de que não possuem, elas próprias, a capacidade de determinarem sua vida. Precisam que alguém lhes diga que vai acontecer o que desejam. Isto não quer dizer que os oráculos não têm sua função e importância, para nos revelar coisas a respeito de nós mesmas, trazendo consciência. Mas isto não seria uma “febre”. Como você relaciona as deusas “Afrodite” e “Artemísia” com a mulher atual? É possível reconhecer um homem pelas deusas que sua mulher vibra?
Afrodite é a Deusa que representa a energia que mantém o universo coeso. Ela é o poder de atração que une as pessoas e que nós reduzimos ao apelo sexual, empobrecendo nossa experiência. Também violamos Afrodite quando reduzimos a beleza a uma forma pré-determinada, como fazem as cirurgias plásticas e os regimes, enquanto permitimos que todo nosso meio-ambiente seja degradado pela feiúra. Há uma exacerbação da sexualidade como distorção de Afrodite que precisa ser curada. E a cura pode ser fornecida por Artemísia, esta deusa que se recusa a participar do patriarcado e se retira para a floresta, onde vive de acordo com seus desejos e a natureza. Ela se expressa pela busca pela natureza, pelo movimento ecológico e a busca pela solitude, onde nos encontramos com nós mesmas. Ela, por sua vez, precisa de Afrodite para curar seu sentimento de solidão. As Deusas que uma mulher vibra dizem respeito apenas a ela. Podemos talvez reconhecer o que busca um homem, pelas mulheres com quem se relaciona. Mas podemos reconhecer as deusas em um homem, pois os homens também são permeados pela energia feminina, assim como as mulheres são permeadas pela energia masculina. Qual mensagem final você deixaria para os leitores do ABSOLUTA? Como vê nossa proposta editorial? Acho importante um site como o ABSOLUTA, pois divulga as questões do feminino e do espiritual e as pessoas ligadas a este tema, com qualidade e conhecimento. A internet hoje é um veículo importante de conexão entre as pessoas. Gostaria de dizer a todas as pessoas - mulheres e homens - que busquem ser quem são, conscientes de que sua participação é importante, independente do que sejam ou façam. Todos somos uma parte única e importante da humanidade. |