MARIA MADALENA,
A PROSTITUTA SAGRADA
A maioria dos homens acredita que a maior ofensa para uma mulher é ser chamada de "prostituta". A partir deste momento você entenderá com a história da Santa Maria Madalena e outras deusas mitológicas, como esta palavra foi tão depurtada pelo cristianismo.
Imagine-se agora, se puder, que estamos viajando no tempo, por terras estrangeiras, alcançando civilizações muito antigas. Com o olho de sua mente veja um templo cintilando de luz. Lá dentro há uma bela mulher coberta de véus, que virá em sua direção dançando. Seus braços são cobertos de braceletes dourados cravados de pedras preciosas e quando passa por você, sentirá um aroma delicioso de flores. Ela é só amor e êxtase. Ela é a nossa prostituta sagrada que se entrega à Deusa e aos estranhos cansados de viver que vão até o templo venerar a Deusa do amor.
Esta imagem fenomenal que contemplamos em nossa imaginação, já foi uma realidade em tempos muito antigos. Inscrições antigas desenterradas de templos, nos contam com mais detalhes destas cerimônias religiosas que eram celebradas em honra a Deusa do amor e da fertilidade. Quem ainda hoje não se encanta com a beleza da nudez de Afrodite?
Mas, quando a prostituição sagrada existiu, as culturas eram embasadas no sistema matriarcal. Nestes tempos, natureza e maternidade eram prioridade, pois tinha-se um mundo imenso para povoar. Entretanto, a natureza sexual dos homens era tida como uma atitude religiosa. Na Babilônia, todas as virgens, antes de casar, eram iniciadas na feminilidade através da prostituição em templos sagrados. Matronas romanas, da mais alta aristocracia, iam ao templo Juno Sospita para entrar no ato de prostituição sagrada quando era necessária uma revelação.
Independentemente de onde vinham, por uma origem real ou comum, por uma noite ou toda a vida, as prostitutas sagradas eram nesta época, muito numerosas. Todas elas gozavam de "status" social e eram muito cultas, pois passavam por iniciações e muito estudo. A maioria delas, eram política e legalmente iguais aos homens. No Código de Hamurábi, uma legislação especial salvaguarda os direitos e o bom nome da prostituta sagrada. Ela era protegida contra difamações, assim como seus filhos. Também por lei, a prostituta sagrada podia herdar propriedades de seu pai e receber renda da terra trabalhada de seus irmãos. Se insatisfeita, ela podia dispor da propriedade da maneira que julgasse conveniente.
Avançando alguns passos de tempo à frente já encontramos a imagem da prostituta sagrada totalmente deturpada. Foi exatamente quando o sistema matriarcal evoluiu para o patriarcal e patrilinear. Mas este trunfo do patriarcado não foi resultado de uma revolução violenta. Foi com o surgimento da política, do militarismo e do comércio que gerou-se a estratificação social. A mulher passou à condição de subordinada porque seus papéis deixaram de ser importantes para os novos valores. À medida que as conquistas foram acontecendo, um enorme número de povos foram se mesclando e as divindades de uma foram incorporadas à outra. Imagine a quantidade de deusas e deuses que eram cultuados. Ficou então resolvido, que o melhor seria criarem somente um Deus Supremo, para ser adorado. Do ponto de vista patriarcal, ele deveria logicamente ser masculino. Foi assim, que o homem criou novas doutrinas religiosas, de acordo com suas crenças na supremacia masculina. Deste modo, os antigos templos do amor, deram lugar à casa do Senhor, deslocando radicalmente os papéis das mulheres nos ritos religiosos.
Sob à nova tradição, a mulher tornou-se Eva, a encarnação da sedução, a ruína do homem. Sua simples existência era advertência para os desejos físicos, aos quais era necessário resistir mediante o medo de punição eterna. As mesmas qualidades pelas quais as mulheres foram outrora consideradas sagradas, agora são a razão para as degradarem.
Em nome do Senhor o homem começou a destruir todos os vestígios da Deusa e de sua defesa da felicidade sexual. Até o casamento não tinha mais como finalidade o prazer sexual, mas a criação de novas almas para adorar a Deus. Todo o prazer foi tirado da natureza humana e considerado pecado.
Com estas mudanças, as mulheres deixaram de ser consideradas em pleno gozo de seus direitos. A lei romana colocava a mulher sob sua tutela e afirmava que ela era imbecil. Na Grécia, as leis de Sólon não lhes davam direito algum. A lei hebraica condenava a mulher à morte caso não fosse casta na época de se casar e, se cometesse adultério, era apedrejada até a morte.
Essas novas leis são a antítese das atitudes em relação à mulher e à sua natureza sexual, as quais prevaleceram durante as eras em que a Deusa era venerada.
Pois é neste contexto histórico que surge a nossa Maria Madalena.
QUEM ERA MARIA MADALENA?
Maria Madalena é a prostituta mais conhecida da história. Mas pergunta-se, quem era mesmo Maria Madalena?
Todas as incertezas a respeito de Maria Madalena deve-se à uma projeção totalmente alterada. Ela acabou presa entre as incongruências da interjeição moral cristã e a imagem arquetípica da natureza feminina erótica.
Existem poucas citações diretas sobre ela nos quatro evangelhos, porém ela está nominalmente presente nas passagens mais marcantes na vida do Cristo, como a Paixão e a Ressurreição. Ela é a discípula que ama o mestre acima de tudo e é testemunha da Sua Ressurreição, sendo a portadora da Boa Nova. Por isso ela pode ser considerada a primeira apóstola.
Marcos se refere a Maria Madalena como "aquela que Jesus havia tirado sete demônios". Lucas fala de uma mulher que segue Jesus, e que "havia sido curada de espíritos malignos e enfermidades"; se chamava Maria, provinha de uma cidade de Magdala, e Jesus expulsou dela sete diabos. Imediatamente antes disto, Lucas relata a cena com o fariseu, quando uma mulher sem nome lavou os pés de Jesus com suas lágrimas, os secou com seus cabelos e logo o unge, em agradecimento ao perdão por parte de Jesus por seus pecados.
A justa posição nos leva a acreditar que as duas mulheres se identificam em uma só. A mesma história aparece em Mateus e Marcos, mas a mulher sem nome não é tachada de pecadora e lhe foi dada muita importância ao colocá-la na última Ceia, em Betania. Não unge os pés de Jesus, mas sim sua cabeça, de modo mais cerimonial em que se unge os reis, durante a cerimônia de um sacrifício ritual. Ante a indignação dos discípulos, que argumentam que o azeite foi mal gasto, pois poderia ser vendido e dado aos pobres, Jesus pede que sua ação seja considerada como um ato de celebração, dizendo:
-" Porque os pobres tereis sempre convosco, porém a mim não me tereis sempre (Marcos).
João, no entanto, acrescenta uma complicação a mais ao descrever a ressurreição de Lázaro, onde identifica de forma explícita a Maria de Betania com "a que ungiu ao Senhor com perfumes e lhe ungiu os pés com seus cabelos". João relata a cena no capítulo seguinte de forma muito similar aos outros Evangélicos, não tachando Maria como pecadora: "Então Maria, tomando uma libra de perfume de nardo puro, muito caro, ungiu os pés de Jesus e os secou com seus cabelos. E a casa se encheu do odor do perfume". Porém João não identifica em modo algum a Maria de Betania e a Maria Madalena.
Em outras fontes que não as Escrituras cristãs, já encontramos uma imagem bem diferente de Madalena e sua função.
Nos Evangelhos Gnósticos ela é vista como líder ativa no discipulado de Cristo. Talvez fosse até, uma professora dos apóstolos. O gnóstico "Evangelho de Felipe" relata "a união do homem e da mulher como símbolo da cura e paz, e estende-se ao relacionamento de Cristo e Madalena que, diz ele, era freqüentemente beijada por ele". Ele descreve Maria Madalena como "a companhia mais íntima de Jesus, e símbolo da Sabedoria Divina".
De acordo com o "Diálogo do Salvador", Maria Madalena foi uma dos três discípulos a receber ensinamentos especiais, e era elogiada acima de Mateus e Tomé. Dizia-se que "ela falava como mulher que conhecia o Todo".
Mas, a atenção especial que recebia Maria Madalena, acabou gerando rivalidade entre ela e os outros discípulos. Em "Pists Sophia", há algo a respeito de Pedro irritando-se porque Maria Madalena dominava a conversa com Jesus. Ela parecia entender tudo o que Cristo falava, enquanto os outros, não tinham tanto alcance.Pedro em função disso, temia perder sua posição de liderança na nova comunidade religiosa. Ele exige que Jesus a silencie e é imediatamente censurado. Mais tarde, Maria admite a Jesus que não ousa falar a ele livremente porque, segundo suas palavras: "Pedro faz-me hesitar; tenho medo dele porque ele odeia a raça feminina". Jesus responde que quem quer que o espírito tenha inspirado é divinamente ordenado a falar, seja homem ou mulher.
No "Evangelho de Maria", há uma passagem que os discípulos abatidos com a crucificação, pedem para Maria Madalena que os animassem, contando-lhes coisas que Jesus dissera e ela em particular. Ela fala então, de sua visão de Cristo e o que ele tinha revelado a ela. Todos duvidaram e a rechaçaram.
Nos "Evangelhos Gnósticos", Maria Madalena é considerada uma mulher capaz, ativa, amorosa, com habilidades de conhecer e falar "o Todo", o que talvez seja uma referência à mais alta Sabedoria, certa compreensão que o coração recebe e contém. Maria Madalena possuía a habilidade de saber das coisas inexplicáveis, como sua visão de Cristo. Ela não questionava este seu lado, como os outros. Ela confiava em sua fonte mais íntima. Ela conseguia ver os emissários divinos e transmitir suas mensagens aos humanos. Como prostituta sagrada, ela era mediadora entre o mundo divino e o mundo dos humanos.
Maria Madalena também operava milagres. Conta-se que após ela ver o Cristo ressuscitado, corre para contar aos outros discípulos. No caminho, encontrou Pôncio Pilatos e falou-lhe sobre a maravilhosa novidade.
-"Prove-o", disse Pilatos.
Naquele instante, passou ao seu lado uma mulher que carregava uma cesta de ovos, e Maria Madalena tomou um em suas mãos. Quando ergueu diante de Pilatos, o ovo adquiriu uma cor vermelho-vivo. Como testemunho desse efeito lendário, na catedral em Jerusalém que porta seu nome há uma estátua de Maria Madalena segurando um ovo colorido.
Aliás, o ovo é um símbolo muito apropriado para este contexto histórico, porque ele simboliza uma nova vida. Ovos coloridos ainda hoje são usados com semelhante simbolismo em nossa Páscoa.
Cultuar seus símbolos é uma forma de evocarmos os auspícios de Maria, e meditar sobre eles é uma forma de penetrar em seus mistérios.
Desde o início da Idade Média, Santa Maria Madalena tem fervorosa devoção, principalmente na Europa, de todos os destituídos, prostituídos, pecadores e despossuídos, que estão em busca de um verdadeiro arrependimento. Várias instituições foram criadas levando o seu nome, para o acompanhamento e orientação, principalmente, de mulheres vítimas da prostituição.
Diz a lenda, que após a volta do Cristo para junto de Seu Pai, Maria Madalena partiu em busca do isolamento, chegou até a costa francesa, passando o resto de sua vida em penitência e adoração ao Cristo, habitando em uma gruta. Como não se alimentava, anjos vinham constantemente em seu socorro, até que veio a falecer e sua alma foi levada por um cortejo de anjos, para o céu, junto ao seu Salvador. Em 1279 seu corpo apareceu milagrosamente na cripta da igreja de St. Maximin, em Aix-en-Provence.
Mas, Maria Madalena não é só lembrada por sua renúncia a sexualidade. Em a "Leyenda Áurea", Jacobo de Vorágine a descreve como a Mãe dos Reis e dos merovíngios, governadores da França, anteriores à Carlos Magno, reivindicarão que descendiam dela. Dado que acreditavam que era consorte de Jesus, na realidade estavam dando a entender que descendiam de Deus.
Em quadros renascentistas , uma das imagens mais características de Maria Madalena é uma mulher chorosa com um jarro de azeite de ungir em uma das mãos. Essa imagem a seguiu em forma de lenda até Provenza, onde lhe foi dedicado um santuário que se ocultava em uma brecha de uma montanha, na cova de Sainte Baume, perto de Saint Maximin. Foi proclamada a existência de suas relíquias em numerosos lugares no sul da França; se acreditava que as três Marias, junto com Marta e Lázaro, chegaram em uma barca à um lugar que se deu seu nome. "Les Saintes Maries de la Mer". A imagem do pranto se considerava uma das qualidades que definiam Maria Madalena: o vocábulo inglês "maudlin" (sensível, chorão) que passou à língua inglesa através da francesa, é uma derivação de seu nome.
Maria Madalena, parece ter sido a antítese de Maria, ou seja, como se a maternidade virginal, necessita-se da mulher que não era casta, porém, cujo "pecado original" havia sido redimido. O erro, que caracteriza a todo pensamento literal, de pensar que um extremo compensará o outro, fala uma vez mais: ambas alternativas terminam por situar-se ao mesmo nível. Tanto virgem como prostituta são consideradas em termos plenamente sexuais e a diferença é, a final, só uma diferença entre distintos tipos de serviços. No entanto, termina por ser Maria Madalena, e não Maria a Mãe, quem transcende sua definição doutrinal: é ela quem chorará e preparará o corpo sem vida de Jesus e é ela quem presencia todas as fases do drama da transformação. É ela, portanto, a mediadora entre o mistério da ressurreição e o entendimento ordinário dos discípulos, que consideram que o relato que ela lhes conta é o relato de seu Senhor.
Maria Madalena como vemos, continua sendo uma figura proeminente na tradição cristã por uma razão psicológica. A dimensão arquetípica da natureza feminina erótica elege uma figura para ser a portadora de sua projeção. A questão é que os seres humanos, em sua busca espiritual, têm que encontrar uma imagem do feminino que tenha relação com aspectos eróticos da Deusa. Mas a repressão da sexualidade pelo pai cristão manipulou a imagem de maneira que Maria Madalena fosse vista como penitente, renunciando à sua sexualidade.
Diferentemente do homem antigo, cujo amor pelo erótico era considerado compatível com a espiritualidade, esses líderes cristãos negaram exatamente o necessário para a renovação da vida.
Maria Madalena é uma figura feminina com que todas nós mulheres podemos nos relacionar sem trairmos a nossa essência. Como uma prostituta sagrada, é capaz de encerrar todos os aspectos dinâmicos e transformadores do feminino: paixão, espiritualidade e prazer A imagem feminina de Maria Madalena, pode ser portadora de muitos outros significados, quando sua natureza plena for restaurada dentro da nossa psique.
A imagem da Deusa divina que personifica os aspectos risonho, radiante, sábio, independente e sensual da natureza feminina existe desde que se tem registros históricos. E pode continuar a existir em nosso tempo se permitirmos que a sua imagem seja restabelecida e que tome seu lugar de direito na compreensão consciente.
Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto
Bibliografia consultada:
A Prostituta Sagrada - Nancy Qualls-Corbett
La Diosa - Shahrukh Husain
El Mito de La Diosa - Anne Baring/Jules Cashford
IN: http://www.rosanevolpatto.trd.br/mariamadalena.htm
A PROSTITUTA SAGRADA
A maioria dos homens acredita que a maior ofensa para uma mulher é ser chamada de "prostituta". A partir deste momento você entenderá com a história da Santa Maria Madalena e outras deusas mitológicas, como esta palavra foi tão depurtada pelo cristianismo.
Imagine-se agora, se puder, que estamos viajando no tempo, por terras estrangeiras, alcançando civilizações muito antigas. Com o olho de sua mente veja um templo cintilando de luz. Lá dentro há uma bela mulher coberta de véus, que virá em sua direção dançando. Seus braços são cobertos de braceletes dourados cravados de pedras preciosas e quando passa por você, sentirá um aroma delicioso de flores. Ela é só amor e êxtase. Ela é a nossa prostituta sagrada que se entrega à Deusa e aos estranhos cansados de viver que vão até o templo venerar a Deusa do amor.
Esta imagem fenomenal que contemplamos em nossa imaginação, já foi uma realidade em tempos muito antigos. Inscrições antigas desenterradas de templos, nos contam com mais detalhes destas cerimônias religiosas que eram celebradas em honra a Deusa do amor e da fertilidade. Quem ainda hoje não se encanta com a beleza da nudez de Afrodite?
Mas, quando a prostituição sagrada existiu, as culturas eram embasadas no sistema matriarcal. Nestes tempos, natureza e maternidade eram prioridade, pois tinha-se um mundo imenso para povoar. Entretanto, a natureza sexual dos homens era tida como uma atitude religiosa. Na Babilônia, todas as virgens, antes de casar, eram iniciadas na feminilidade através da prostituição em templos sagrados. Matronas romanas, da mais alta aristocracia, iam ao templo Juno Sospita para entrar no ato de prostituição sagrada quando era necessária uma revelação.
Independentemente de onde vinham, por uma origem real ou comum, por uma noite ou toda a vida, as prostitutas sagradas eram nesta época, muito numerosas. Todas elas gozavam de "status" social e eram muito cultas, pois passavam por iniciações e muito estudo. A maioria delas, eram política e legalmente iguais aos homens. No Código de Hamurábi, uma legislação especial salvaguarda os direitos e o bom nome da prostituta sagrada. Ela era protegida contra difamações, assim como seus filhos. Também por lei, a prostituta sagrada podia herdar propriedades de seu pai e receber renda da terra trabalhada de seus irmãos. Se insatisfeita, ela podia dispor da propriedade da maneira que julgasse conveniente.
Avançando alguns passos de tempo à frente já encontramos a imagem da prostituta sagrada totalmente deturpada. Foi exatamente quando o sistema matriarcal evoluiu para o patriarcal e patrilinear. Mas este trunfo do patriarcado não foi resultado de uma revolução violenta. Foi com o surgimento da política, do militarismo e do comércio que gerou-se a estratificação social. A mulher passou à condição de subordinada porque seus papéis deixaram de ser importantes para os novos valores. À medida que as conquistas foram acontecendo, um enorme número de povos foram se mesclando e as divindades de uma foram incorporadas à outra. Imagine a quantidade de deusas e deuses que eram cultuados. Ficou então resolvido, que o melhor seria criarem somente um Deus Supremo, para ser adorado. Do ponto de vista patriarcal, ele deveria logicamente ser masculino. Foi assim, que o homem criou novas doutrinas religiosas, de acordo com suas crenças na supremacia masculina. Deste modo, os antigos templos do amor, deram lugar à casa do Senhor, deslocando radicalmente os papéis das mulheres nos ritos religiosos.
Sob à nova tradição, a mulher tornou-se Eva, a encarnação da sedução, a ruína do homem. Sua simples existência era advertência para os desejos físicos, aos quais era necessário resistir mediante o medo de punição eterna. As mesmas qualidades pelas quais as mulheres foram outrora consideradas sagradas, agora são a razão para as degradarem.
Em nome do Senhor o homem começou a destruir todos os vestígios da Deusa e de sua defesa da felicidade sexual. Até o casamento não tinha mais como finalidade o prazer sexual, mas a criação de novas almas para adorar a Deus. Todo o prazer foi tirado da natureza humana e considerado pecado.
Com estas mudanças, as mulheres deixaram de ser consideradas em pleno gozo de seus direitos. A lei romana colocava a mulher sob sua tutela e afirmava que ela era imbecil. Na Grécia, as leis de Sólon não lhes davam direito algum. A lei hebraica condenava a mulher à morte caso não fosse casta na época de se casar e, se cometesse adultério, era apedrejada até a morte.
Essas novas leis são a antítese das atitudes em relação à mulher e à sua natureza sexual, as quais prevaleceram durante as eras em que a Deusa era venerada.
Pois é neste contexto histórico que surge a nossa Maria Madalena.
QUEM ERA MARIA MADALENA?
Maria Madalena é a prostituta mais conhecida da história. Mas pergunta-se, quem era mesmo Maria Madalena?
Todas as incertezas a respeito de Maria Madalena deve-se à uma projeção totalmente alterada. Ela acabou presa entre as incongruências da interjeição moral cristã e a imagem arquetípica da natureza feminina erótica.
Existem poucas citações diretas sobre ela nos quatro evangelhos, porém ela está nominalmente presente nas passagens mais marcantes na vida do Cristo, como a Paixão e a Ressurreição. Ela é a discípula que ama o mestre acima de tudo e é testemunha da Sua Ressurreição, sendo a portadora da Boa Nova. Por isso ela pode ser considerada a primeira apóstola.
Marcos se refere a Maria Madalena como "aquela que Jesus havia tirado sete demônios". Lucas fala de uma mulher que segue Jesus, e que "havia sido curada de espíritos malignos e enfermidades"; se chamava Maria, provinha de uma cidade de Magdala, e Jesus expulsou dela sete diabos. Imediatamente antes disto, Lucas relata a cena com o fariseu, quando uma mulher sem nome lavou os pés de Jesus com suas lágrimas, os secou com seus cabelos e logo o unge, em agradecimento ao perdão por parte de Jesus por seus pecados.
A justa posição nos leva a acreditar que as duas mulheres se identificam em uma só. A mesma história aparece em Mateus e Marcos, mas a mulher sem nome não é tachada de pecadora e lhe foi dada muita importância ao colocá-la na última Ceia, em Betania. Não unge os pés de Jesus, mas sim sua cabeça, de modo mais cerimonial em que se unge os reis, durante a cerimônia de um sacrifício ritual. Ante a indignação dos discípulos, que argumentam que o azeite foi mal gasto, pois poderia ser vendido e dado aos pobres, Jesus pede que sua ação seja considerada como um ato de celebração, dizendo:
-" Porque os pobres tereis sempre convosco, porém a mim não me tereis sempre (Marcos).
João, no entanto, acrescenta uma complicação a mais ao descrever a ressurreição de Lázaro, onde identifica de forma explícita a Maria de Betania com "a que ungiu ao Senhor com perfumes e lhe ungiu os pés com seus cabelos". João relata a cena no capítulo seguinte de forma muito similar aos outros Evangélicos, não tachando Maria como pecadora: "Então Maria, tomando uma libra de perfume de nardo puro, muito caro, ungiu os pés de Jesus e os secou com seus cabelos. E a casa se encheu do odor do perfume". Porém João não identifica em modo algum a Maria de Betania e a Maria Madalena.
Em outras fontes que não as Escrituras cristãs, já encontramos uma imagem bem diferente de Madalena e sua função.
Nos Evangelhos Gnósticos ela é vista como líder ativa no discipulado de Cristo. Talvez fosse até, uma professora dos apóstolos. O gnóstico "Evangelho de Felipe" relata "a união do homem e da mulher como símbolo da cura e paz, e estende-se ao relacionamento de Cristo e Madalena que, diz ele, era freqüentemente beijada por ele". Ele descreve Maria Madalena como "a companhia mais íntima de Jesus, e símbolo da Sabedoria Divina".
De acordo com o "Diálogo do Salvador", Maria Madalena foi uma dos três discípulos a receber ensinamentos especiais, e era elogiada acima de Mateus e Tomé. Dizia-se que "ela falava como mulher que conhecia o Todo".
Mas, a atenção especial que recebia Maria Madalena, acabou gerando rivalidade entre ela e os outros discípulos. Em "Pists Sophia", há algo a respeito de Pedro irritando-se porque Maria Madalena dominava a conversa com Jesus. Ela parecia entender tudo o que Cristo falava, enquanto os outros, não tinham tanto alcance.Pedro em função disso, temia perder sua posição de liderança na nova comunidade religiosa. Ele exige que Jesus a silencie e é imediatamente censurado. Mais tarde, Maria admite a Jesus que não ousa falar a ele livremente porque, segundo suas palavras: "Pedro faz-me hesitar; tenho medo dele porque ele odeia a raça feminina". Jesus responde que quem quer que o espírito tenha inspirado é divinamente ordenado a falar, seja homem ou mulher.
No "Evangelho de Maria", há uma passagem que os discípulos abatidos com a crucificação, pedem para Maria Madalena que os animassem, contando-lhes coisas que Jesus dissera e ela em particular. Ela fala então, de sua visão de Cristo e o que ele tinha revelado a ela. Todos duvidaram e a rechaçaram.
Nos "Evangelhos Gnósticos", Maria Madalena é considerada uma mulher capaz, ativa, amorosa, com habilidades de conhecer e falar "o Todo", o que talvez seja uma referência à mais alta Sabedoria, certa compreensão que o coração recebe e contém. Maria Madalena possuía a habilidade de saber das coisas inexplicáveis, como sua visão de Cristo. Ela não questionava este seu lado, como os outros. Ela confiava em sua fonte mais íntima. Ela conseguia ver os emissários divinos e transmitir suas mensagens aos humanos. Como prostituta sagrada, ela era mediadora entre o mundo divino e o mundo dos humanos.
Maria Madalena também operava milagres. Conta-se que após ela ver o Cristo ressuscitado, corre para contar aos outros discípulos. No caminho, encontrou Pôncio Pilatos e falou-lhe sobre a maravilhosa novidade.
-"Prove-o", disse Pilatos.
Naquele instante, passou ao seu lado uma mulher que carregava uma cesta de ovos, e Maria Madalena tomou um em suas mãos. Quando ergueu diante de Pilatos, o ovo adquiriu uma cor vermelho-vivo. Como testemunho desse efeito lendário, na catedral em Jerusalém que porta seu nome há uma estátua de Maria Madalena segurando um ovo colorido.
Aliás, o ovo é um símbolo muito apropriado para este contexto histórico, porque ele simboliza uma nova vida. Ovos coloridos ainda hoje são usados com semelhante simbolismo em nossa Páscoa.
Cultuar seus símbolos é uma forma de evocarmos os auspícios de Maria, e meditar sobre eles é uma forma de penetrar em seus mistérios.
Desde o início da Idade Média, Santa Maria Madalena tem fervorosa devoção, principalmente na Europa, de todos os destituídos, prostituídos, pecadores e despossuídos, que estão em busca de um verdadeiro arrependimento. Várias instituições foram criadas levando o seu nome, para o acompanhamento e orientação, principalmente, de mulheres vítimas da prostituição.
Diz a lenda, que após a volta do Cristo para junto de Seu Pai, Maria Madalena partiu em busca do isolamento, chegou até a costa francesa, passando o resto de sua vida em penitência e adoração ao Cristo, habitando em uma gruta. Como não se alimentava, anjos vinham constantemente em seu socorro, até que veio a falecer e sua alma foi levada por um cortejo de anjos, para o céu, junto ao seu Salvador. Em 1279 seu corpo apareceu milagrosamente na cripta da igreja de St. Maximin, em Aix-en-Provence.
Mas, Maria Madalena não é só lembrada por sua renúncia a sexualidade. Em a "Leyenda Áurea", Jacobo de Vorágine a descreve como a Mãe dos Reis e dos merovíngios, governadores da França, anteriores à Carlos Magno, reivindicarão que descendiam dela. Dado que acreditavam que era consorte de Jesus, na realidade estavam dando a entender que descendiam de Deus.
Em quadros renascentistas , uma das imagens mais características de Maria Madalena é uma mulher chorosa com um jarro de azeite de ungir em uma das mãos. Essa imagem a seguiu em forma de lenda até Provenza, onde lhe foi dedicado um santuário que se ocultava em uma brecha de uma montanha, na cova de Sainte Baume, perto de Saint Maximin. Foi proclamada a existência de suas relíquias em numerosos lugares no sul da França; se acreditava que as três Marias, junto com Marta e Lázaro, chegaram em uma barca à um lugar que se deu seu nome. "Les Saintes Maries de la Mer". A imagem do pranto se considerava uma das qualidades que definiam Maria Madalena: o vocábulo inglês "maudlin" (sensível, chorão) que passou à língua inglesa através da francesa, é uma derivação de seu nome.
Maria Madalena, parece ter sido a antítese de Maria, ou seja, como se a maternidade virginal, necessita-se da mulher que não era casta, porém, cujo "pecado original" havia sido redimido. O erro, que caracteriza a todo pensamento literal, de pensar que um extremo compensará o outro, fala uma vez mais: ambas alternativas terminam por situar-se ao mesmo nível. Tanto virgem como prostituta são consideradas em termos plenamente sexuais e a diferença é, a final, só uma diferença entre distintos tipos de serviços. No entanto, termina por ser Maria Madalena, e não Maria a Mãe, quem transcende sua definição doutrinal: é ela quem chorará e preparará o corpo sem vida de Jesus e é ela quem presencia todas as fases do drama da transformação. É ela, portanto, a mediadora entre o mistério da ressurreição e o entendimento ordinário dos discípulos, que consideram que o relato que ela lhes conta é o relato de seu Senhor.
Maria Madalena como vemos, continua sendo uma figura proeminente na tradição cristã por uma razão psicológica. A dimensão arquetípica da natureza feminina erótica elege uma figura para ser a portadora de sua projeção. A questão é que os seres humanos, em sua busca espiritual, têm que encontrar uma imagem do feminino que tenha relação com aspectos eróticos da Deusa. Mas a repressão da sexualidade pelo pai cristão manipulou a imagem de maneira que Maria Madalena fosse vista como penitente, renunciando à sua sexualidade.
Diferentemente do homem antigo, cujo amor pelo erótico era considerado compatível com a espiritualidade, esses líderes cristãos negaram exatamente o necessário para a renovação da vida.
Maria Madalena é uma figura feminina com que todas nós mulheres podemos nos relacionar sem trairmos a nossa essência. Como uma prostituta sagrada, é capaz de encerrar todos os aspectos dinâmicos e transformadores do feminino: paixão, espiritualidade e prazer A imagem feminina de Maria Madalena, pode ser portadora de muitos outros significados, quando sua natureza plena for restaurada dentro da nossa psique.
A imagem da Deusa divina que personifica os aspectos risonho, radiante, sábio, independente e sensual da natureza feminina existe desde que se tem registros históricos. E pode continuar a existir em nosso tempo se permitirmos que a sua imagem seja restabelecida e que tome seu lugar de direito na compreensão consciente.
Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto
Bibliografia consultada:
A Prostituta Sagrada - Nancy Qualls-Corbett
La Diosa - Shahrukh Husain
El Mito de La Diosa - Anne Baring/Jules Cashford
IN: http://www.rosanevolpatto.trd.br/mariamadalena.htm
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