"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

EM BUSCA DE DEFINIÇÕES PLAUSÍVEIS

Feminino, Feminismo, Espiritualidade...




Hoje vou falar do que eu vejo ser meu feminismo, minha espiritualidade.

Eu creio que a mulher será sempre “n”coisas incompreensíveis, quiçá inexplicáveis.
Como foi assim até hoje.
Como somos agora.

Simplificar o estado “mulher”, “bruxa”, “pagã”, inserindo-a em uma esfera, lhe retira significância; resta valor encaixar-nos em uma nomenclatura apenas por ela ser reconhecida e validada publicamente, isto nos limita e nos parte.
Não investe a mulher de valor.

Não é a modernidade nem o Paganismo o que fará dela, uma fêmea libertária e autônoma.
Pode ela ser pagã, nascer no século XXII e ser cópia fiel de outras mulheres de séculos atrás, no que se refere à passividade perante a extirpação dos seus direitos.

Também a questão do gênero não salva a mulher de ser mais ou menos machista, ou mais ou menos aquiescente com a violência no lar ou fora dele; ou com a exploração sexual e menosprezo pelo sexo feminino. Mulheres que amam mulheres estão aí a fora sendo usurpadas da sua liberdade, exploradas física ou financeiramente pelas mulheres que amam…

Então não é o grau de liberdade o que sinaliza ser livre de fato, ou o acesso às escolhas seja quais forem e nos níveis que forem o que garante à mulher ser um indivíduo livre, consciente dos seus direitos, deveres e feliz.

Nem é a obrigação de procriar o que realiza ao ser humano…

O que nós constrói como seres humanos é o respeito e dignidade para consigo mesmo, o respeito pelas nossas limitações, o amor próprio é o que nós salva da exploração alheia e nos proporciona dignidade, coesão em atos e pensamentos.

É o conceito bem formado interior sobre cada o que salva ao indivíduo de calar, de omitir-se e perpetualizar a nulidade dos direitos humanos e a repetição cíclica da exploração massiva ou particular.

Não é no nível das discussões de ser ou não fêmea ou macho, e sobre quem é melhor, que se resolvem quizilas íntimas e externas, Mas sim a conscientização individual quanto ao que faz bem ou mal a cada indivíduo, e as perdas que podem incorrer na busca incansável pela aceitação do outro a todo custo. A despersonalização e perda de referencial individual e a mimetização no outro é o que anula o ser humano. O desvaloriza e denigre.

Mas, sempre há um mas, podemos sim as mulheres pagãs aceitar uma bandeira, ideológica, espiritual, ativista e pagã. Que acolha a mulher como ela se mira, como ela se vê refletida em seus espelhos mutantes.

Essa bandeira deve ser flexível, deve conseguir se moldar dentro das múltiplas formas que as mulheres pagãs possuem, claro as mulheres pagãs, que se entendem como Bruxas, como Feministas, como Ecológikas…

Apesar de que rótulos pesem cedo ou tarde, saber que há um nome para aquilo que somos e praticamos, faz com que sintamos “estar em casa”, onde podemos manifestar dizeres que externam o que já passou horas demais internalizado.

Os movimentos femininos das décadas de 60, 70 e cujos reflexos sentimos no hoje, perfazem, ainda que distantes em tempo e geografia, o sentir espiritual do feminino pagão atual. Foi lá naqueles anos vestidos de roupas engraçadas, que o Paganismo Feminino tomou formas, nasceu e perdurou… Não me refiro à história e registros antropológicos, mas a historicidade.

A historicidade é um conceito crucial para o entendimento da história, seja ela considerada “ciência” como queriam os estudiosos do século XIX, ou “narrativa verídica”, como definiu Paul Veyne. É a historicidade que dá caráter factual à vivência, em oposição à narratividade que cerca o homem; é aquilo que dá valor ao antigo apenas por ser antigo, e não por ter uma qualidade intrínseca - é o que define um mero objeto de um objeto histórico. Analisando a importância da história para o homem, Gadamer afirma: 

“o homem é, simultaneamente, o ser do passado remoto e o ser que vive no seu futuro como grande horizonte de expectativa e vasto campo de projetos que o seu ser modelado pela sua história lhe abre.” (GADAMER, 1988: 12).

Esse ‘ser modelado pela história’, no entanto, é impensável sem a preocupação, consciente ou inconsciente, com a historicidade.

É nessa historicidade que os movimentos daquelas décadas representam papel preponderante em nosso fazer pagão de hoje!

Em outras palavras, não devemos menosprezar a história do feminino e suas manifestações, mas considerar seriamente a representatividade que ativistas feministas dos anos 70, possuem no que hoje é o paganismo feminino.

Mas vamos ao rótulo ou bandeira, ou denominação, e a qual venha a ser ela.
Entendo que assim como eu, outras pagãs, possam se encaixar no conceito da Bruxa Eco-feminista Pagã.

Um conceito que pega emprestado muito do que foi elaborado pelos movimentos ativistas femininos pagãos como os encabeçados por Starhawk, ZZ. Budapest, por exemplo, e por movimentos dentro do universo psicanalítico, onde podemos citar a seguidoras e revisionistas junguianas como: Jean Shinoda Bolem; Marion Woodman; Christine Downing, entre outras.

Elas que em suas analises pessoais e interpessoais resgatam o conceito da identificação da nossa psique e os arquétipos das deidades femininas oriundas em base à mitologia grega, mas que hoje em dia abarca a outras.

Bem, podem estar pensando, isso é o Dianismo… Não. Não necessariamente dentro do conceito a ser elaborado e construído; onde a mulher pagã se entende como um ser politicamente ativo, não apenas em relação aos direitos civis, mas ao resgate da Terra.

Bruxa, sem necessitar filiação a uma Tradição oficial por assim dizer, mas sim sendo Bruxa no seu fazer cotidiano “Pro – Verde”; “pro – Vida”, logo Ecológika.
Como ser crente na magia, na possibilidade de criar magia. Sem idealizar um estereótipo fantasioso, mas imprimindo a esse fazer, a esse criar, conotações ativistas.

Exercer seu panteísmo e politeísmo abertamente, sem o sentimento de categorização, de classificação, de grupo fechado… Poder ser livre no percurso da sua trilha espiritual, sem ter que prestar contas ao coletivo. Mas inserindo essa religiosidade dentro do seu entendimento como ser social, não como subcategoria, ou contra cultura.

Nada disso, somos uma cultura, somos uma categoria, a de mulheres ativistas pelos seus direitos espirituais, emocionais, físicos e civis. E dentro deles o direito à fala é imprescindível e inalienável, mesmo dentre os grupos femininos circulares, que de tanto rodopiar concluem por repetir o ato excludente que execram no patriarcalismo, ao massacrar o pensar de outras mulheres.

Vamos rodopiar de mãos dadas, girar em qualquer sentido, mas juntas. E nisto mora o feminismo.

Ser Feminista não pode hoje ser apreendido como mundo de fêmeas que excluem ao homem, mas um mundo de fêmeas que luta por seu lugar ao sol, pelo respeito para com sua ideologia, pelo o empoderamento do seu eu, tão dissipado e esmagado ao longo das eras.
Feministas somos as mulheres que respeitamos ao homem, e o encaramos de igual para igual, sem medo, nem incentivo à supremacia de sexo ou gênero.

Somos as fêmeas que criamos uma nova geração de seres abertos à diversidade, tolerantes, livres para escolher suas sendas no político, religioso e sexual.

Somos Pagãs por crer em várias deidades, crer na magia, crer na sobrevivência da Terra, por entender que depende do Verde a Vida. O entendemos como o Sagrado que nos cerca, O reverenciamos e nos permitimos lhe dar vários nomes. Interagimos com esse Sagrado, logo somos co-responsáveis dentro da dinâmica social por Ele.

Eis o que somos muitas mulheres pagãs, espalhadas pelo mundo afora:
Bruxas Eco-Feministas Pagãs.

Neste epíteto, está a explicação do nosso fazer espiritual, eis a explicação para aquelas que como eu, já percorreram “n” caminhos, já realizaram “n” estudos, leituras, mergulharam em centenas de livros, pensamentos e sonhos. E hoje descobrem que podem usar essa bandeira, nomenclatura, denominação. Ou não, pois tudo é questão de escolhas pessoais...

Sempre grata,


Luciana Onofre
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Bibliografia Consultada:
A Deusa Interior – Jennifer Barker Woolger & Roger J. Woolger. Ed. Cultrix.
A Deusa Tríplice – Adam McLean. Ed. Cultrix.
A Deusa no Escritório – ZZ. Budapest. Ed. Agora.
Bruxaria e História – Carlos Figueiredo Nogueira. Ed. USC.
Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história – Paul Veyne. Ed. UnB.
História e Historicidade - H.G. Gadamer. Ed. Gradiva. Lisboa

IN: http://divinatrice.blogspot.com.br/2012/03/feminino-feminismo-espiritualidade.html