"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O MITO DA SACERDOTISA SHAMHAT

[Edificiochica.jpg]A SACERDOTISA E ENKIDU

Mito que trata do amadurecimento emocional de Enkidu, o selvagem criado pela Deusa Mãe Ninhursag-Ki para ser o companheiro de Gilgamesh, o arrogante rei de Uruk, por uma iniciada do templo de Inana.


Este relato faz parte daquela que é a obra literária mais longa e importante da Antiga Mesopotâmia, chamada o "Épico de Gilgamesh", uma jornada de transformação interior que inspirou inúmeros trabalhos da Antigüidade Clássica. Aqui, a história é contada sob o ponto de vista de Shamhat, a iniciada do templo de Inana, a Deusa do Amor e da Guerra, que é mandada por Gilgamesh para transformar Enkidu num homem e ensinar-lhe as artes da civilização, A escolha deste ponto de vista visa tentar esclarecer pontos a respeito de um dos aspectos mais complexos e menos entendidos da religião mesopotâmica, que é o serviço do corpo ao Sagrado Masculino (e Feminino) que era parte do culto de Inana/Ishtar. Foi há alguns milênios e muitos séculos atrás, mas nos primeiros dias quando Gilgamesh, o orgulhoso filho do rei Lugalbanda e da deusa Ninsun, ascendeu ao trono de Uruk, que uma donzela, acompanhada de seus pais, foi até o Eana, a Morada dos Céus, o templo sagrado de An, o deus do firmamento e de Inana, a grande deusa do Amor e da Guerra, para buscar iniciação e serviço `a deusa Inana Shamhat era o nome da donzela, de corpo esguio, longos cabelos negros, olhos escuros e jeito brejeiro.




De temperamento forte, ela era uma princesa da Casa Real de Uruk, e tal qual o jovem monarca, também nascida do Leito Sacro, uma filha do Casamento Sagrado. Desde tempos que se perdiam na memória, o Rito do Casamento Sagrado ou hieros gamos era celebrado com alegria e os maiores festejos em toda Mesopotâmia. Pois quando as estrelas certas brilhavam nos céus anunciando a chegada da primavera, na primeira Lua Nova a brilhar no firmamento, era o dever sagrado do rei casar-se com a Alta Sacerdotisa de Inana, a Grande Deusa do Amor e da Guerra, para assegurar a fertilidade da terra e das pessoas, em todos os níveis e esferas. Sete vezes mais abençoadas eram as crianças concebidas nove meses após esta noite sagrada, pois um destino especial normalmente a estas esperava. Não o mais fácil deles, com certeza, mas um Caminho que poderia ser-lhes aberto, levando-os por atos e valor pessoal a uma grandeza de alma, corpo, coração e espirito mais interior do que exterior, para a glória dos deuses e de toda natureza. Shamhat tinha onze anos de idade, e considerava-se pronta para fazer seus votos `a Alta Sacerdotisa, iniciando assim a jornada de postulante à iniciação e serviço aos deuses, à Inana em especial. A data escolhida para a apresentação formal ao templo tinha sido cuidadosamente traçada nas estrelas, como era devido a uma donzela da Casa Real de Uruk. De fato, Shamhat tinha esperado ansiosamente por este dia, pois há muito ela desejava trilhar o mesmo caminho da longa linhagem de sacerdotisas rainhas e princesas escribas que eram suas antepassadas (1). Dia após dia, passo a passo, Shamhat começou a viver entre o templo e o palácio de seus pais, como o esperado de uma futura iniciada e princesa real. De seus aposentos ao templo, Shamhat atravessava jardins, canais e ruas movimentadas até os longos corredores que levavam às salas de aula. Muito tinha de ser aprendido de lição a lição: gramática, a arte dos escribas, poesia sagrada, dança, musica, canto, astrologia, interpretação dos sonhos, matemática, contabilidade e, naturalmente, todos os hinos, ritos, observâncias religiosas, ensinamentos e historias de Inana. O treinamento era longo, a quantidade de trabalho prático e interior `as vezes parecia pesada demais. Shamhat tinha de passar longas horas na biblioteca copiando das tábuas seculares e sagradas, memorizar longas listas de correspondências que haviam preservado a memória da terra antes do nome de homens e mulheres ter sido fixado, estudar contabilidade e compilar uma vez por semana as doações feitas ao templo, uma das primeiras atribuições de jovens iniciados. Esta era uma tarefa um tanto aborrecida, ela tinha admitir com franqueza. Contabilidade e a ciência dos números (2) eram muito importantes. Uma sacerdotisa e sacerdote deviam ter um cérebro tão bom para os números quanto para os versos sagrados. Era assim, porque a vida das grandes cidades da Mesopotâmia Antiga girava ao redor do templo, a morada dos deuses colocada a serviço da comunidade. As doações feitas aos deuses e ao templo tinham de ser cuidadosamente anotadas, pois eram usadas para também alimentar os peregrinos, os doentes, pobres e necessitados que buscavam o Eana. Mas mesmo apesar da carga de trabalho, Shamhat tinha bastante liberdade, desde que entregasse os trabalhos práticos e demonstrasse amadurecimento espiritual para seus tutores do templo e do palácio.

Outros cinco anos se passaram. Shamhat tinha agora dezesseis anos, e desejava com todo fervor estar quase pronta para ouvir o Chamado da Deusa e resolver o Teste enviado por Ela, não importando a natureza e a qualidade deste. Esta era a tradição seguida desde tempos perdidos na memória pelo templo de Inana. Aquele que almejava o posto de futuro sacerdote ou sacerdotisa tinha de provar seu valor por atos, pensamentos, disponibilidade para servir, integridade e força de caráter. Quando Inana, a grande deusa do amor e da guerra tivesse considerado o futuro sacerdote ou sacerdotisa apto na teoria dos Mistérios, Ela enviava ao escolhido ou escolhida um Chamado sob a forma de uma tarefa. Se o iniciado ou iniciada aceitasse o Teste, o resultado deste é que iria estabelecer ou não a validade e autoridade para o almejado Rito de Ordenação. Shamhat sabia que muito em breve chegaria sua vez de enfrentar o Teste da Deusa. Se era o resultado do Teste que decidia a função que a futura sacerdotisa ou sacerdote iria ter no templo, havia muitos postos a serem preenchidos. Era grande a demanda por uma escriba habilidosa, uma contadora, dançarinos e conselheiros, e assim por diante. Aconselhamento era algo muito procurado pelos fiéis da deusa. A vida na Mesopotâmia costumava ser dura e curta. As cidades-templo, os únicos blocos de civilização espalhados pelo Oriente Próximo, procuravam manter a paz, mas havia muita competição entre elas.




Além disso, tribos nômades, que não hesitariam em destruir tudo e todos que encontravam nos seus caminhos, eram uma constante ameaça para todas as grandes cidades como Uruk, Ur, Lagash, Kish, Nippur, e tantas outras. Era muito provável que as pessoas experimentassem perdas de pessoas amadas, e que o templo se esforçasse por auxiliar a comunidade no que pudesse. Uma das mais importantes funções do templo de Inana e de suas sacerdotisas e sacerdotes era fornecer um porto seguro, um espaço sagrado onde todos pudessem ir e receber conforto, incentivo, cura, beleza e amor para seguir vivendo, principalmente nos tempos de grandes dificuldades. O cargo de mais prestígio era o de Alta Sacerdotisa de Uruk. Tornar-se uma Alta Sacerdotisa, a escolhida do Coração e da Alma da Deusa, era o que toda jovem iniciada aspirava, mas muito poucas chegavam a atingir meta tão elevada. A Alta Sacerdotisa era a imagem viva de Inana na Terra, e como tal devia ser a mais bem dotada e estudiosa de todas as iniciadas, com um cérebro para preces e administração (pois o templo também devia ser gerido para o bem de todos), ter o coração cheio de severidade e compaixão, um físico resistente e em forma para dar sustentação e amor às pessoas, bem como procurar manter o equilíbrio entre incentivo e critica construtiva para aqueles que vinham até ela em busca de ajuda. A Alta Sacerdotisa também deveria, mais do que qualquer outra religiosa dedicada a outro deus ou deusa, ser exímia na arte de fazer amor, que no culto de Inana significava o serviço do corpo ao Divino Inspirador Masculino (e Feminino), representado pelo homem ou mulher que procuravam tal mediação no templo de Inana.




No culto de Inana, o desejo e a resposta de natureza sexual eram experimentadas como força regeneradora, reconhecida como um presente do Divino, da Deusa. Todas as sacerdotisas e sacerdotes de Inana honravam a vida e o ato sexual como uma experiência religiosa, um tributo à Inana, quando Amada e Amante se encontravam para se tornar um. Para Inana, não havia separação entre sexualidade e espiritualidade. Portanto, na época certa, em geral durante os grandes festivais da Roda do Ano, na privacidade do mais sagrado de todos os altares, o templo no alto da torre sagrada, o zigurate, a Alta Sacerdotisa colocava-se ritualmente no lugar da Deusa do Amor e da Guerra, para se unir ao amante mortal, que encarnava o homem elevado ao status de divindade, o consorte da deusa. Este serviço, que poderia também ser prestado por sacerdotes e sacerdotisas do templo, visava celebrar a fertilidade da terra, do útero, das mãos e dos cérebros, bem como atender às mais profundas necessidades emocionais da pessoa, e não poderia jamais ser usado para ganho pessoal do sacerdote ou sacerdotisa em questão. O ritual amoroso era para a deusa, vista na pessoa necessitada que vinha até o templo. A sacerdotisa ou sacerdote estavam proibidos de usar o oficio sagrado para obter admiração, dependência ou devoção dos fiéis. Para tanto, eles freqüentemente permaneciam anônimos como pessoa, protegidos pelo ofício que tinham no templo. Desta forma, sacerdotes e sacerdotisas eram preservados do perigo de qualquer laço de dependência que poderia se desenvolver naquela ou naquele que procuravam seus serviços. Este era o código de conduta, a Ética não escrita da devoção à Inana. Não havia qualquer incentivo à vaidade pessoal ou promiscuidade.




Todos os sacerdotes e sacerdotisas de Inana assumiam este código de honra para com a deusa, mas as exigências eram maiores para a Alta Sacerdotisa de Uruk. Era também sabido que a futura Alta Sacerdotisa recebia infalivelmente um sinal interior, uma revelação da própria deusa ao final do Teste. Sem o Beijo de Inana, como o Sinal Interior era conhecido, não havia o reconhecimento da experiência espiritual que conferia validade e autoridade ao posto. Seja qual fosse este sinal, Shamhat desejava com todo fervor que tivesse o discernimento de reconhecê-lo e compartilhá-lo depois, quando o momento certo chegasse. A regra não escrita é que não se dava o sacerdócio de Inana a ninguém: os iniciados da deusa e’ que se transformavam por seus atos em Trajes Dela, pela identificação e mediação das qualidades da deusa em suas vidas.

Todas as sacerdotisas ordenadas eram protegidas pela mesma lei que garantia direitos a mulheres casadas que não participavam ativamente da vida religiosa. Sacerdotisas podiam herdar e dispor de propriedades, conforme o quisessem.




Sacerdotisas, porém, não podiam abrir e possuir tavernas, pois detinham o conhecimento de bebidas sacras e poções que podiam alterar níveis de consciência, e este conhecimento não podiam revelar. Havia também sacerdotisas que, depois de receberem treinamento no templo, queriam voltar `a vida secular, ter marido e filhos, bem como havia aquelas que escolhiam viver no templo, lá desempenhando as mais variadas atribuições. Que tipo de sacerdotisa, que função Shamhat iria desempenhar dependia de como ela se saísse no Teste enviado pela Deusa. `A medida em que Shamhat crescia, também crescia infelizmente a reputação de Gilgamesh o rei. Dele era a solidão dos fortes, a beleza daqueles de físico perfeito, que podem tão facilmente transformar-se em orgulho e arrogância. Não havia ninguém que igualasse ou chegasse perto das proezas físicas de Gilgamesh, de sua ousadia e intrepidez. Portanto, nas casas, os homens e mulheres de Uruk, os jovens, os velhos, as crianças murmuravam, não abertamente porém, temendo a ira de seu monarca: - Ruidoso Gilgamesh, arrogante Gilgamesh! Os jovens ele derrota em combate, as donzelas de Uruk ele quer fazê-las suas, não deixando uma virgem sequer para seu amado, nem mesmo poupando a filha de um guerreiro ou a esposa de um nobre. Mas ele é nosso rei, o que podemos fazer? Quando Gilgamesh irá se portar como o pastor dedicado de seu povo, o guia desta terra, o guardião da cidade? Que os Deuses ouçam as nossas preces pelo amadurecimento do nosso rei Gilgamesh! Pois nas esferas mais altas, os grandes deuses ouviram o lamento das pessoas, eles prestaram atenção às preces diárias que os sacerdotes e sacerdotisas de Uruk erguiam a Eles pela domesticação do jovem rei. No templo de Inana, a morada dos céus, NInana, a Alta Sacerdotisa, uma mulher de grande conhecimento e sabedoria, já bastante entrada nos anos, sabia que muito em breve um sinal especial seria enviado pelos deuses. Na noite anterior, ela tinha recebido uma Visão. Nela, a Grande Deusa Mãe Ninhursag-Ki, também chamada Aruru, Mãe Terra e Senhora de Toda Criação, tinha-lhe aparecido em toda majestade, e falado em tom alto e claro: ‘ Eu escutei os lamentos do meu povo, atenção especial dediquei `as preces de minhas sacerdotisas e sacerdotes! Em verdade, em verdade eu afirmo que criei Gilgamesh, o Rei, pois Meu e’ o poder de fazer a vida se manifestar em todos os mundos e esferas. Agora então criarei alguém para ser seu igual! Darei um segundo eu, mas diferente a Gilgamesh, para que vento ruidoso encontre vento ruidoso. Eles terão um ao outro para brigar, fazer as pazes e crescer em compreensão e amizade. Criarei este ser de uma imagem de meu cérebro que concebeu tudo o que existe. Eu o farei da essência do firmamento de meu adorado Anu (a Grande Deusa Mãe atirou um beijo para os céus e deixou An, o deus do firmamento, beijar de volta a mão que graciosamente lhe estendia). E da substância das profundas águas de mãe Namu (Ninhursag mergulhou suas mãos nas águas do mar) e de uma pitada de argila, parte de mim mesma. Com estes elementos sagrados, eu dou `a luz a um homem especial, a uma Estrela dos Céus que desce `a terra, no meio da selva, em plena natureza! Enkidu, este e’ o nome

2 comentários:

Anônimo disse...

Grande Mãe Antiga, eu te louvo e agradeço a tua sagrada e sempre bem-vinda presença. O véu foi retirado e a luz se fez presente, inundando o meu ser de alegria e de serenidade. Obrigada. Eu sou Serena Luna

Anônimo disse...

obrigada por ter estado no templo de minha alma

Inanna