"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


sexta-feira, 27 de março de 2015

A FACE DUPLA


A DEUSA DUPLA 
A MÃE E A FILHA

Entre as inúmeras imagens de deusas antigas, encontram-se com frequência esculturas – em pedra, osso, argila – pinturas ou vasos em forma de deusas duplas ou geminadas. Elas simbolizam a polaridade biológica e oculta do princípio feminino, a eterna dança entre vida e morte, luz e escuridão, as fases da Lua, os ciclos da Natureza e da vida humana. Nos antigos Mistérios Femininos, as deusas duplas - aparecendo como mãe e filha ou irmãs - expressam os elos profundos dos laços de sangue, a solidariedade e parceria femininas, sendo um incentivo para a reformulação dos conceitos contemporâneos de cooperação e competição entre as mulheres.

A dupla de deusas simbolizava a soberania feminina na maioria das culturas pré-patriarcais, no nível espiritual e profano, representada pelos cultos matrifocais e a linhagem matrilinear. Com o passar do tempo, o ícone da Deusa Dupla metamorfoseia-se em Duas Mães, Senhoras, Irmãs ou Rainhas, reafirmando os laços de sangue e a parceria femininas. A iconografia da Deusa Dupla fortalece o conceito da natureza ambivalente da Grande Mãe, cujos polos de vida e morte se complementam numa mandala que mescla as forças de nascimento, crescimento, morte e renascimento. As mulheres espelham esta biologia bipolar, alternando nos seus corpos as fases hormonais (ovulação/menstruação), emocionais (expansão/retração) e espirituais (manifestação/contemplação). Nas culturas antigas ambas as polaridades eram honradas e consagradas, os rituais sendo organizados em função desta dualidade rítmica.

Assim como em outras mitologias, no Egito o tema da Deusa Dupla permaneceu durante milénios e era representado por várias deusas como Nekhbet/Wadjet, Tauret/Mut e Ísis/Nepthys.

A conexão complementar entre Ísis e Nephtys é muito antiga, dividindo entre si as regências: a luz lunar, a estrela matutina e o mundo visível e manifesto pertenciam a Ísis enquanto a face negra e oculta da Lua, a estrela vespertina e o mundo invisível e não manifestado eram o domínio de Nephtys. A sua dualidade – como faces opostas mas complementares da Grande Mãe – espelhava a dos seus maridos e irmãos, Osiris, deus da luz e fertilidade da terra e Seth, regente da escuridão e aridez do deserto.

Irmã gémea de Ísis, filha da deusa celeste Nut e do deus da terra Geb, Nepthys – ou Nebet Het - tem uma simbologia complexa e aparentemente contraditória. Ao mesmo tempo em que representa o fim da vida – seu nome simbolizava os “confins da terra e do tempo” - ela também anunciava o renascimento. O Seu tempo sagrado era o anoitecer, quando o barco solar mergulhava nas profundezas da terra, delas ressurgindo na manhã seguinte abençoado pela luz de Ísis. O Seu título era a “Senhora da Casa” reproduzido pelo hieróglifo e a imagem sobre a sua cabeça, o de Ísis sendo “A Senhora do trono”, que adornava a sua cabeça.

Enquanto Ísis governava o céu e a terra, o domínio de Nephtys era o mundo desconhecido e misterioso dos sonhos, do inconsciente e dos fenómenos psíquicos, bem como a realidade desafiadora da transformação dos mortos em seres de luz .O que acontecia no mundo astral (de Nephtys) afetava o mundo natural (de Ísis), assim como também o contrário. A morte era uma passagem estreita da luz para a escuridão, mas a alma precisava de atravessar esta escuridão para alcançar novamente a luz, conforme dizia esta frase gravada nos sarcófagos egípcios: “Que possas acordar para uma nova vida com as bênçãos de Nephtys, que te renovou durante a noite fria e escura”.

Nephtys era a padroeira do sofrimento feminino e também da cura, enviando sonhos curadores e energias de alívio aos doentes, bem como apoiando os moribundos na sua passagem, o que a tornou a deusa guardiã dos ritos fúnebres. Juntamente com Ísis, ela foi a criadora dos rituais de reverência aos deuses e das práticas templárias e mortuárias. Chamadas de Ma’aty – a dupla verdade – as irmãs eram “As Senhoras”, que apareciam em forma de pássaros migratórios nos sarcófagos para descrever o inverno (e a morte), bem como a primavera (e o renascer). Representadas juntas e com as asas estendidas ao lado dos faraós sobre os seus sarcófagos, elas não apenas simbolizavam a sua proteção, mas também o seu renascimento. O espaço entre as suas asas forma o símbolo ka, o abraço divino que contém o todo e todas as suas partes.Isis e Nephtys tornam-se uma deusa só quando juntam as suas energias complementares e assistem Osiris na sua ressurreição, assim como fazem com o Sol (na sua passagem entre noite e dia) e acredita-se que farão com todas as almas na sua transição entre vida/morte e renascimento.

Mirella Faur


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