"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


quinta-feira, 19 de março de 2015

FALTA





Uma delas, a escritora, física e economista Rose Marie Muraro, que morreu no dia 21 de junho, aos 83 anos, no Rio de Janeiro, onde morava. Vítima de um câncer de medula, a pioneira do feminismo no Brasil foi uma verdadeira revolucionária, pois proporcionou o nascimento de uma mulher livre, senhora de si mesma e do próprio corpo.


Considerada uma mulher impossível – nome de um dos seus mais de 40 livros –, Rose fez tudo o que lhe disseram para não fazer. Inclusive, gestou um novo mundo, onde mulheres e homens são cúmplices, parceiros e não adversários. Rose garantia que a revolução das mulheres jamais poderia existir “sem o gesto de amor do homem. Pois a revolução do homem é tão importante quanto a da mulher. Se no primeiro ano de vida, um bebê, independentemente do sexo, é cuidado pelo pai na troca de fraldas, na hora da mamadeira, vai viver numa sociedade democrática e plural, muito diferente da patriarcal, onde a violência e o machismo predominavam”.


 Ela atuou como diretora da Editora Vozes, ao lado do teólogo e escritor Leonardo Boff, publicando mais de 1.600 títulos. Os dois trabalharam juntos por 17 anos. Ao lado dele, lutou pela Teologia da Libertação, com opção preferencial pelos pobres e que, anos depois, seria expurgada e condenada pelo Vaticano. Rose e Boff foram expulsos da editora, mas continuaram a lutar pelas mudanças sociais urgentes e necessárias. Com cinco filhos, 12 netos e seis bisnetos, a escritora ficou casada por 23 anos e se separou com opiniões polêmicas e ousadas sobre o relacionamento a dois - principalmente sobre o casamento.


Na década de 1990, Muraro desafiou os próprios limites quando, aos 66 anos, recuperou a visão com uma cirurgia e viu seu rosto pela primeira vez, afirmando: “Sei hoje que sou uma mulher muito bonita”. Em 2009, criou o Instituto Cultural Rose Marie Muraro (ICRM) com o objetivo de salvaguardar seu acervo, que conta com mais de quatro mil publicações.


Sem dúvida, uma mulher que deixa um legado libertário para as futuras gerações. E que mostramos a seguir, ao relembrarmos alguns trechos de seus livros e pensamentos. Confira!


Linguagem corporal


“A política do corpo tem uma importância revolucionária muito maior do que qualquer reforma agrária ou a luta pela Constituinte.”


 Mergulho interior


“Eu sou cega, não posso ler. Então, eu tenho que me voltar para dentro. Ou eu me volto para dentro ou

eu morro.”

Relação homem/mulher


“Onde começa o casamento acaba a relação homem /mulher, porque aí entra dinheiro, filho e um cotidiano burguês horroroso, desgastante. E entra sempre a relação sadomasoquista: tem sempre um bonzinho e um filho da puta. Essa relação não é homem/mulher, não é do profundo. É a relação convencional, dominante-dominado, que é passada de geração em geração, de pai para filho, de mãe para filha. Isso eu não quero, muito obrigada!”


“Se você não desenvolver uma vida dupla para sair do seu casamento, você nunca vai saber o que é o prazer e nunca vai largar o seu casamento.  E foi assim que eu saí corneando o meu marido.”


Moralidade/ética


“O papa João Paulo II pediu a minha cabeça por causa do livro ‘Sexualidade da Mulher Brasileira’. Aí, dei mais motivos pra ele e escrevi ‘A Erótica Cristã’, que é fazer um corpo erótico cristão. Quer dizer, não usar mais a moralidade e, sim, a ética. Porque é imoral você estar num casamento que é feito só para o seu sofrimento e o de todos. E é ético você sair desse casamento para viver uma vida plena e dar aos outros uma vida plena.”


Livros incendiários


 “Já nos anos 60 eu queria por fogo no mundo. Então, fui por fogo no mundo, fui ser editora. E eu vi que são os livros que põem fogo no mundo.”


Sexualidade


“Eu descubro um grande prazer na sexualidade. Eu me defini como uma bruxa, isto é, uma mulher orgástica e sábia ao mesmo tempo. Dona do seu corpo e da sua mente.”


Caça às bruxas


“Por que eles tinham misoginia (aversão à mulher)? Porque os homens foram para as Cruzadas pegar territórios dos islâmicos e levaram uma surra. Passaram 400 anos levando uma surra. Foi nesse tempo que as mulheres tomaram o poder na Europa. Quando os homens voltaram, queriam o seu lugar. Aí começa a caça às bruxas.”


“Quem eram as bruxas? Eram as mulheres que possuíam pequenos feudos e eram sábias e orgásticas. E não tinham quem as protegesse. Quem as denunciava eram os donos de terra. E foi assim que fizeram as nações: em cima dos corpos queimados das bruxas.”


Deusa do fundo da terra


“O ser humano era nômade. Não havia propriedade privada de nada. Não tinha um deus masculino, era uma deusa. O deus macho, completamente masculino, começa com a lei do mais forte. Não é mais uma deusa do fundo da terra dando comida, de onde tudo sai e tudo volta depois que morre. Mas um deus de cima para baixo, controlando os corações e as mentes e olhando tudo com um olhar repressor.”


Capitalismo capitalista


“Eu consegui obrigar o sistema a me pagar para falar mal dele, porque os meus livros dão dinheiro. Você vê como o sistema é. Ele não se incomoda que se fale mal dele desde que ele possa lucrar.” 


‘Ser’ humano


“Quando desistirmos de ser deuses poderemos ser plenamente humanos - o que ainda não sabemos o que é, mas intuímos desde sempre.”


Feminismo


“O feminismo não é o que as pessoas pensam. É só um movimento organizado das mulheres, mais nada. Não tem nada a ver com o plano pessoal da mulher contra o homem, mas sim contra o sistema. Em geral, mulheres e homens se dão muito bem. A mulher já está questionando o machismo do homem no plano pessoal, e isso está caminhando bastante.”


Donas do próprio corpo


“A grande autonomia das mulheres veio com as pílulas anticoncepcional e do dia seguinte. Com isso, a mulher, pela primeira vez, em dois mil anos, desliga a sexualidade da maternidade. Este foi o grande avanço que permitiu a autonomia, o estudo e o controle do corpo. O resto é secundário. A fertilização in vitro é algo secundário diante disso. A partir da pílula e dos métodos anticoncepcionais, nos anos 1960, é que aconteceu todo o movimento de autonomização da mulher e o fato de ela se tornar o sujeito maior da história. Produção independente de filhos sempre houve depois dos anos 1960.”  


IN; ECOLÓGICO

Nenhum comentário: