"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

MÃE DOS GRÃOS

AS SENHORAS DA PLENITUDE

Nas culturas pré-cristãs celebrava-se a colheita com cerimônias de reconhecimento e gratidão pelas dádivas da terra. Os arquétipos cultuados eram na sua maioria femininos, os nomes e atributos variavam, porém os seus atributos comuns eram: abundância, plenitude, felicidade, alegria, celebração. Os povos indo-europeus reverenciavam a Mãe dos grãos ou a Senhora da vegetação sob diversos nomes e manifestações. No folclore dos povos eslavos, saxões, nórdicos e celtas permaneceram ocultados - em lendas, histórias e “superstições” - resquícios dos antigos cultos, principalmente a importância da última espiga remanescente nos campos, que estaria retendo o “espírito de fertilidade dos grãos”. Ela era cortada ritualisticamente, modelada e vestida como uma mulher, enfeitada com flores e frutos e carregada como representação da Mãe dos grãos em alegres procissões nos vilarejos. Em alguns lugares era transformada em guirlanda e usada pela moça escolhida como ”Rainha da colheita”, depois guardada e enterrada no próximo plantio. O cristianismo adotou algumas das antigas datas e práticas da época da colheita nas festas e procissões dedicadas à Maria, na Assunção e nas benzeduras de casas, pessoas, animais, ainda realizados nas áreas rurais de Hungria, Polônia, Romênia.

Na mitologia húngara a regente da fertilidade, nascimentos e abundância (vegetal, animal, humana) era Boldog Asszony (“A Rainha plena e alegre”); os seus atributos foram adotados pela igreja católica e transferidos para o culto de Maria, sendo nomeada Padroeira do país e festejada no dia 17/10 como a “Grande Rainha da Hungria”. Deusa protetora da terra, das famílias e curas, Boldog Asszony era filha de Nagy Boldogaszony (“A Grande Rainha”), Mãe Divina ancestral que tinha sete aspectos, cada um regendo um dia da semana e cujas datas ritualísticas foram preservadas nas comemorações do calendário cristão (25/03, 15/08, 17/10 e 26/12).

Pesquisas atuais encontraram semelhanças do Seu arquétipo e culto com os de Astarte, Inanna, Ishtar e principalmente Bau, a Grande Mãe da Mesopotâmia. Supõe-se que os ritos agrários neolíticos e os mitos das deusas da fertilidade migraram da Suméria e Anatólia para a Europa central, os seus atributos tendo equivalências em várias línguas: dravidiana (da Índia), suméria, persa, turca, balcânica e húngara. Os termos comuns aos atributos divinos são: plena, abundante, alegre, feliz, doadora, parteira, grávida, matrona, senhora, rainha, deusa. O culto de Bau data de 2500 a.C. e é semelhante ao da deusa sumeriana Gula, ambas sendo regentes da fertilidade, abundância e cura, mães divinas doadoras da vida, parteiras, rainhas da colheita e protetoras das almas na sua passagem entre os mundos. Acreditava-se que os espíritos das crianças ficavam escondidos nas pregas das Suas saias à espera da reencarnação. Seu símbolo era uma taça medidora chamada Bar, cujo hieróglifo X era equivalente à runa nórdica da doação e troca. Nos nascimentos das crianças as parteiras ou avós faziam oferendas de pão e vinho, pois nos mitos existiam advertências para aquelas mulheres que não reverenciavam ou agradeciam à Grande Mãe, privando assim seus filhos das bênçãos divinas.

Assim como as deusas sumérias, Boldog Asszony era celebrada como A Mulher Abençoada, A Mãe plena, Rainha alegre da colheita ou Senhora da foice (usada antigamente pelas mulheres nas colheitas de cereais). Em uma dança folclórica húngara, contemporânea, encena-se a reverência à Maria (a herdeira cristã da Deusa) com uma roda de mulheres, com saias coloridas e tiaras bordadas, que pedem cantando à Mulher Abençoada (personificada por uma mãe humana no centro da roda) visitar e abençoar suas casas, famílias, lavouras e bens.

Infelizmente, as proibições religiosas do regime comunista na Hungria, continuando a perseguição secular da igreja católica, suprimiram muitas das tradições antigas remanescentes no meio rural. Após a cristianização forçada no século 12, a língua original – de origem asiática (ramo ugro-fínico)- foi europeizada, perdendo-se assim antigos significados de palavras associadas aos ritos agrários. O atual povo húngaro originou-se da mescla de tribos citas, hunos, persas e magiares vindos das estepes da Ásia central. A religião pagã original era monoteísta, centrada em uma divindade incriada, etérica, sem forma, sexo ou nome, cercada por seres divinos. Reverenciavam-se as forças da natureza, o céu e a Mãe Terra, as deusas mais cultuadas sendo a Grande Mãe - Nagy Asszony -e sua filha Boldog Asszony, (“Senhora da plenitude e alegria”), a Velha Mulher Lua e o casal solar.

Inspirados pela riqueza mítica das antigas deusas nós podemos criar um singelo ritual atual de gratidão, oferecendo à Mãe Divina o tradicional pão e vinho, junto com símbolos da nossa “colheita”. Após fazer uma auto-avaliação das realizações dos meses anteriores, agradeceremos os “frutos” colhidos, refletiremos sobre as medidas necessárias para limpar nossos “plantios”, deles retirando as ervas daninhas, os insetos invasores e animais predadores. Depois, iremos assumir o compromisso de cuidar e proteger os brotos tênues dos nossos sonhos e aspirações, nutrindo-os com a energia da perseverança, confiança e fé, nos sentindo guiados pelas Mães do plantio e da colheita e abençoados pelas Senhoras ancestrais da plenitude.

IN: http://sitioremanso.multiply.com/journal/item/67

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