"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

CHAMA INTERIOR SAGRADA


Héstia, a guardiã do fogo sagrado, caminha nas moradas de todos, deuses e mortais, recebendo suas reverências e a gratidão eterna. Gloriosa é a Sua luz e abrangente o Seu poder, pois sem Sua presença ninguém poderia sobreviver. Por isso, serão sempre Suas as primeiras e as últimas oferendas, nos rituais e nas orações diárias.

Hino de Homero (adaptado)

Héstia era a filha primogênita do casal de Titãs Rhea e Chronos, uma das doze divindades olímpicas que, em troca do direito de permanecer virgem, cedeu seu lugar no Monte Olimpo para o deus Dionísio. Apesar de sua importância como Deusa guardiã da lareira, da família e da comunidade, Héstia não tinha um templo específico, nem foi “personificada” em imagens ou estátuas. Mesmo invisível no plano físico, Ela era a mais presente divindade na vida humana, sendo representada pela luz e pelo calor do fogo, honrada em cada casa, cidade e nos templos dedicados aos outros deuses. O fogo aceso nos altares dos templos e nas lareiras das moradias era o pedido e o convite para que Héstia se tornasse presente, trazendo as bênçãos da iluminação. Héstia não tinha rituais específicos, sendo a veneração da chama sagrada a maneira antiga e atual para sua reverência e invocação.

Ela recebia as honras em primeiro e último lugar, em razão dos direitos especiais de seu nascimento e renascimento. Conta o mito que, à medida que a Deusa Rhea dava à luz aos seus filhos, Chronos os engolia, por temer ser por eles destronado. Quando Zeus nasceu, Rhea conseguiu enganar Chronos, dando-lhe uma pedra enrolada em panos para engolir e escondeu Zeus na gruta do Monte Ida, onde ele foi criado por sacerdotes e amamentado pela cabra Amalthea. Quando se tornou adulto, Zeus deu um vomitório para que Chronos expelisse todos os filhos por ele engolidos; a última a ser devolvida foi a primogênita Héstia, daí seu título de “a primeira e a última”.

Diferente de outras divindades, Héstia jamais participou das disputas ou intrigas entre os deuses, nem das guerras promovidas por seus irmãos, adquirindo, assim, o direito de ser reverenciada como o centro da casa e do templo e de receber as honras e oferendas em primeiro e último lugar. Por ter imposto sua vontade de permanecer virgem e de jamais aceitar um homem na sua vida, Ela (assim como Ártemis e Athena) era invulnerável às flechas de Eros e aos feitiços de amor de Afrodite.

Poucos escritos existem sobre Héstia, sendo que a principal fonte de informação está nos hinos do poeta Homero. Sua importância para o povo grego estendia-se além das reverências e oferendas a Ela dedicadas, que eram feitas antes de cada refeição ou ritual. Como sua bênção era pedida para o fortalecimento da unidade familiar, uma mulher, quando se casava, recebia em sua nova moradia uma tocha acesa na lareira da casa materna, levada por sua mãe para consagrar o lar dos recém-casados, demonstrando a importância da continuidade da energia ancestral feminina e do elo entre mãe e filha. Quando uma criança nascia, aos cinco dias de vida sua família reunia-se ao redor da lareira e a apresentava à Héstia, pedindo Sua bênção e permissão para a admissão no clã familiar.

Além de ser o elo entre humanos e o plano divino, Héstia também era a protetora dos templos e das comunidades. O Estado era uma continuação da família e cada cidade tinha nos templos um santuário – chamado Prytantis – e uma lareira dedicada à Héstia, zelada pelas sacerdotisas chamadas Prytantes. Visitantes e viajantes pediam as bênçãos para sua estadia ou viagem nestes santuários e os suplicantes e foragidos neles encontravam asilo e proteção. Do templo principal era levada a chama para abençoar as novas cidades e colônias e acender novas lareiras, sendo Héstia o elo que ligava o lar ancestral da capital aos confins do império, da mesma maneira como era feito com a continuidade do fogo materno para com seus descendentes.


Como arquétipo, Héstia representa a essência (em grego a palavra é essia), o centro da psique, a própria chama interior da natureza divina. Ela também simboliza a energia feminina invisível que permeia um lugar ou situação e que torna esse local sagrado.


Como Deusa Virgem, personifica o conceito da auto-suficiência, ou seja, “ser completa em si mesma”, sem precisar da presença de um pai, marido, filho ou amante. Nessa condição, ela podia seguir seus próprios valores e caminhos, sem lutar pelo poder, sem ter que se submeter à autoridade masculina ou fazer concessões.

O termo latino para “lareira” é focus e, na interpretação astrológica, o asteróide Vesta define a capacidade de focalização e concentração em um determinado objetivo, o que exige a prática do silêncio, introspecção e meditação. Para as mulheres marcadas por sua influência (seja pela presença relevante do asteróide no mapa natal ou através de uma conexão voluntária), o estado de contemplação e as práticas de focalização tornam-se mais fáceis. Mesmo atividades corriqueiras ou afazeres de casa podem ser um meio para ordenar pensamentos e silenciar a mente, encontrando assim momentos de quietude, introspecção e harmonia interior. Conectando-se com a energia de Héstia, a agitação e pressa, a habitual cobrança e o senso exagerado do dever e fazer tornam-se menos importantes; realça-se, assim, o valor e a necessidade de estar conscientemente no “aqui e agora”. Cada vez que uma mulher cria ordem, beleza, paz e harmonia em um ambiente, ela consagra esse espaço.

Desde a pré-história, o fogo era o centro da vida comunitária, pois, além de fornecer luz e calor, era o ponto de encontro dos clãs e dos conselhos de anciãos, sendo também um símbolo de hospitalidade e proteção. Para as mulheres contemporâneas, momentos de solidão e de silêncio são requisitos necessários para o centramento e para as práticas espirituais. Apesar do ritmo agitado da vida e das pressões e exigências modernas, as mulheres que buscam seu crescimento e evolução espiritual não precisam ir para o longínquo Avalon, nem se retirar em um mosteiro ou ashram. Basta criar um tempo e espaço sagrados, formar um grupo ou círculo junto com outras mulheres, ter um propósito e um centro espiritual e permanecer em silêncio e meditação. O mergulho no âmago das essências individuais possibilita encontrar a conexão e a força nutridora de Héstia. A representação do centro pode ser uma vela ou lamparina, um cristal, uma mandala ou a imagem da luz divina.

A versão romana de Héstia era personificada por Vesta e seus cultos diferiam em alguns aspectos. Vesta também era uma força sagrada estabilizadora e centralizadora, protetora das famílias e cidades. No entanto, suas sacerdotisas – as Vestais – tinham maior prestígio e atuação do que as Prytantes já que os romanos tinham um número maior de festividades públicas para reverenciar Vesta do que os gregos, onde o culto era concentrado nos lares. O fogo sagrado de Vesta era velado no Forum Romanum por seis Vestais, em um templo esférico que reproduzia a Terra, cujo perímetro era proibido aos homens após o anoitecer. As Vestais eram escolhidas entre as filhas de famílias nobres e deviam servir por trinta anos, dos quais dez eram de aprendizado, outros dez de sacerdócio e os últimos para ensinar as novas Vestais. Elas deviam manter sua castidade, estando submetidas a regras severas, como no caso de infração ao seu voto, quando eram enterradas vivas. Como recompensa, recebiam alguns privilégios: convites para jantares com autoridades, os melhores lugares nos teatros e arenas e passeios de carruagem; elas não eram submetidas à autoridade paterna, podendo possuir bens e, depois dos trinta anos de serviço, podiam se casar. Por serem consideradas imbuídas de poderes especiais, eram honradas por todos e podiam perdoar condenados caso passassem perto deles. Sua pureza era considerada a garantia da segurança e salvação de Roma e por isso era vigiada em permanência pelo Sumo Pontífice. Com o passar do tempo, as vestais se tornaram “bodes expiatórios” e foram usadas para fins políticos, sendo-lhes atribuídas as causas de desastres naturais ou as derrotas nas batalhas, por, supostamente, terem infringido seus deveres e quebrado o voto de castidade. Durante as festividades de Vestália, que duravam de 7 a 15 de junho, as matronas romanas descalças e veladas seguiam em peregrinação para levar o pão por elas assado como oferenda para os templos. No final do festival, as Vestais fechavam o templo, lavavam-no e depois abriam-no com um banquete oferecido às divindades, contando apenas com a presença de mulheres. Uma vez por ano, no dia primeiro de março, o fogo sagrado era apagado e novamente acesso ritualisticamente pela fricção de dois paus, revelando o simbolismo oculto de Vesta como deusa geradora e sustentadora das mulheres e das famílias.

Atualmente foi perdido o respeito pela continuidade da união familiar com a reverência e gratidão ao sagrado antes das refeições. Vivemos na era do fast food, com todas suas conseqüências nefastas: falta de diálogo e convívio entre pais e filhos, distúrbios alimentares, diabetes e obesidade. Por não mais honrar e ancorar a energia unificadora e protetora de Héstia em nosso cotidiano, negando o lugar de honra do Seu fogo sagrado em nossas casas, canalizamos o aspecto sombrio e destrutivo do fogo, que se manifesta no superaquecimento global, nos desequilíbrios e conflitos religiosos, na falta de respeito e de reverência perante o sagrado e a natureza.

No entanto, o arquétipo de Héstia permanece esquecido e oculto em nosso inconsciente e caberá a nós – mulheres conscientes de sua força e missão espiritual – reacender o fogo sagrado, em nós, em nossas vidas e famílias. Para isso, precisamos encontrar novas formas de manter a união e harmonia familiar, cuidando da alimentação saudável dos filhos, evitando a poluição ambiental e mental pelo consumismo, a invasão dos alimentos refinados e processados. Podemos e devemos criar singelos momentos de silêncio e de gratidão pelo pão diário, em uma oração conjunta nas refeições ou ao redor da chama de uma vela.

O nosso desafio – como mulheres, filhas, esposas ou mães – é saber como combinar as exigências do mundo externo, estressante e caótico, com a missão ancestral de cuidar da casa, da harmonia familiar e da manutenção da chama sagrada. A resposta se encontra nos pequenos gestos: unir-se em conversas sem assistir TV ou ler jornal, incentivar encontros familiares em datas sagradas, informar-se sobre os alimentos saudáveis, mobilizar pessoas para grupos de estudo e oração, preservar a coesão e sintonia grupal evitando discussões, disputas e competições. Quanto mais isso ocorrer e melhor forem o bem-estar e harmonia alcançados e compartilhados, mais fácil será despertar e ativar o fogo sagrado de Héstia no coração de outras pessoas, criar núcleos luminosos no centro das moradias e das comunidades, para poder curar corpos e mentes e fortalecer a essência divina de todos.


IN: http://sitioremanso.multiply.com/journal/item/78

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