"E aqueles que pensam em Me procurar, saibam que a vossa busca e vosso anseio devem beneficiar-vos apenas se vós souberdes o Mistério; se o que vós procurardes, vós não achardes dentro de vós mesmos, então nunca encontrarão fora. Pois eu tenho estado convosco desde o Início e Eu Sou Aquela que é alcançada ao final do desejo"


sexta-feira, 31 de julho de 2009

SARA KALI
Antoine Locadour, 74 anos, historiador, I.C.P.,
França


É fácil identificar Sarah como mais uma das muitas
virgens negras que podem ser encontradas no mundo. Sara-la-
Kali, diz a tradição, vinha de uma nobre linhagem, e conhecia
os segredos do mundo. Seria, no meu entender, mais uma das
muitas manifestações do que chamam a Grande Mãe, a Deusa da
Criação.
E não me surpreende que cada vez mais pessoas se
interessem pelas tradições pagãs. Por quê? Porque o Deus Pai é
sempre associado com o rigor e a disciplina do culto. A Deusa
Mãe, pelo contrário, mostra a importância do amor acima de
todas as proibições e tabus que conhecemos.
O fenômeno não é novidade: sempre que a religião
endurece suas normas, um grupo significativo de pessoas tende
a ir em busca de mais liberdade no contato espiritual. Isso
aconteceu durante a Idade Média, quando a Igreja Católica
limitava-se a criar impostos e construir conventos cheios de
luxo; como reação, assistimos ao surgimento de um fenômeno
chamado “feitiçaria”, que, apesar de reprimido por causa de
seu caráter revolucionário, deixou raízes e tradições que
conseguiram sobreviver todos estes séculos.
Nas tradições pagãs, o culto da natureza é mais
importante que a reverência aos livros sagrados; a Deusa está
em tudo, e tudo faz parte da Deusa. O mundo é apenas uma
expressão de sua bondade. Existem muitos sistemas filosóficos
— como o taoísmo ou o budismo — que eliminam a idéia da
distinção entre o criador e a criatura. As pessoas não tentam
mais decifrar o mistério da vida, e sim fazer parte dele;
também no taoísmo e no budismo, mesmo sem a figura feminina, o
princípio central afirma que “tudo é uma coisa só”.
No culto da Grande Mãe, o que chamamos de “pecado”,
geralmente uma transgressão de códigos morais arbitrários,
deixa de existir; sexo e costumes são mais livres, porque
fazem parte da natureza, e não podem ser considerados como
frutos do mal.
O novo paganismo mostra que o homem é capaz de viver
sem uma religião instituída, e ao mesmo tempo continuar na
busca espiritual para justificar sua existência. Se Deus é
mãe, então tudo que é necessário é juntar-se e adorá-la
através de ritos que procuram satisfazer sua alma feminina —
como a dança, o fogo, a água, o ar, a terra, os cantos, a
música, as flores, a beleza.
A tendência vem crescendo de maneira gigantesca nos
últimos anos. Talvez estejamos diante de um momento muito
importante na história do mundo, quando finalmente o Espírito
se integra com a Matéria, os dois se unificam, e se
transformam. Ao mesmo tempo, estimo que haverá uma reação
muito violenta das instituições religiosas organizadas, que
começam a perder fiéis. O fundamentalismo deve crescer, e
instalar-se em todos os cantos.
Como historiador, me contento em coletar dados e
analisar esta confrontação entre a liberdade de adorar e a
obrigação de obedecer. Entre o Deus que controla o mundo e a
Deusa que é parte do mundo. Entre as pessoas que se unem em
grupos em que a celebração é feita de modo espontâneo, e
aquelas que vão se fechando em círculos onde aprendem o que
deve e o que não deve ser feito.
Gostaria de estar otimista, de achar que finalmente
o ser humano encontrou seu caminho para o mundo espiritual.
Mas os sinais não são tão positivos assim: uma nova
perseguição conservadora, como já aconteceu muitas vezes no
passado, pode sufocar novamente o culto da Mãe.
In: A Bruxa de Portobello.Pág:265

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